Colunistas2024-02-06T20:16:08-03:00

Animais não são coisas

6 de maio de 2021|

Vicente de Paula Ataíde Junior
Vicente de Paula Ataíde Junior
Pós-doutor de Direito Animal pela UFBA. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR (Mestrado e Doutorado). Coordenador do Programa de Direito Animal da UFPR. Líder do Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD-UFPR (ZOOPOLIS). Coordenador do Curso de Especialização em Direito Animal da UNINTER/ESMAFE-PR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Juiz Federal em Curitiba.

Houve tempo em que se podia pensar que um cão ou um gato, ou mesmo um boi, um porco, uma galinha ou um peixe fossem coisas equivalentes a um relógio ou a uma outra máquina qualquer.

Assim se pensava diante da pressuposição de que animais, além de não serem dotados de razão e de linguagem, não pudessem sofrer ou experimentar sentimentos dolorosos.[1]

A Ciência demonstrou que os animais são seres vivos dotados de consciência, com capacidade de sentir dor e prazer (a senciência).[2]

A partir dessa constatação, Peter Singer, nos anos 70 do século passado, deduziu que não há justificativa moral para considerar que a dor que os animais sentem seja menos importante que a mesma intensidade de dor sentida por humanos.[3]

Com essas bases, todo um novo desenvolvimento ético-filosófico foi produzido para perquirir e redimensionar a posição dos animais no mundo e nas suas relações com os seres humanos.

Fato é que esse movimento filosófico, acompanhado dos movimentos sociais de defesa e proteção animal, acabaram por influenciar a redação da Constituição Federal brasileira, a qual completou, em 2018, 30 anos de promulgação.

A Constituição, no art. 225, §1º, VII, estabelece que incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

A parte final desse inciso consagra a regra constitucional da proibição da crueldade, derivada do reconhecimento de que animais são seres sencientes, que sofrem e que, portanto, são dotados de uma dignidade própria. Do mesmo dispositivo constitucional é possível extrair o princípio da dignidade animal, verdadeiro estrutural do Direito Animal.[4]

Ora, nos dias de hoje, em que não mais se admite a escravidão e a discriminação preconceituosa (nem racismo, nem sexismo), é evidente que toda dignidade deve ser protegida por um catálogo mínimo de direitos fundamentais (a impedir, também, qualquer forma de especismo ou discriminação pela espécie[5]).

Por isso é que se reconhece aos animais o direito fundamental à existência digna, posta a salvo de práticas cruéis, o qual se posiciona como uma nova dimensão desses direitos: os direitos fundamentais pós-humanistas (direitos fundamentais de 4ª dimensão).[6]

O novo ramo do Direito, composto pelas regras e princípios que estabelecem os direitos dos animais não-humanos, considerados em si mesmos, independentemente da sua função ecológica ou econômica, denomina-se Direito Animal.[7]

O Direito Animal não se confunde com o Direito Ambiental porque, neste, os animais são considerandos como espécie, relevantes pela sua função ecológica, ao passo que, naquele, os animais são considerados como indivíduos conscientes e sencientes, importantes por si só, independentemente da sua função ambiental, ecológica ou econômica.

A autonomia do Direito Animal já foi reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento, no final de 2016, da ADIn 4983 (ADIn da vaquejada).[8]

Nesse julgamento, o Ministro Luís Roberto Barroso, em voto histórico, afirmou:

“A vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal deve ser considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê unicamente em razão de uma função ecológica ou preservacionista, e a fim de que os animais não sejam reduzidos à mera condição de elementos do meio ambiente. Só assim reconheceremos a essa vedação o valor eminentemente moral que o constituinte lhe conferiu ao propô-la em benefício dos animais sencientes. Esse valor moral está na declaração de que o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilíbrio do meio ambiente, da sua função ecológica ou de sua importância para a preservação de sua espécie.”

Toda essa realidade demonstra-se completamente incompatível com as equiparações tradicionais entre animais e coisas, animais e bens ou com a consideração dos animais como simples meios para o uso arbitrário desta ou daquela vontade humana.

Por essas razões, as interpretações tradicionais sobre o art. 82 do Código Civil brasileiro de 2002 (conceito de bens móveis) estão defasadas e não conversam bem com a Constituição: animais não são coisas.[9]

No Congresso Nacional, tramitam vários projetos de lei com o objetivo de conferir novo status jurídico aos animais e alterar o Código Civil.

Dentre outros, o mais avançado é o Projeto de Lei da Câmara 6054/2019 (n.º atual na Câmara), oriundo do Projeto de Lei da Câmara 6799/2013 (n.º original da Câmara), de autoria dos Deputados Ricardo Izar e Weliton Prado, o qual estabelece que “Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos com direitos despersonificados, dos quais devem gozar e, em caso de violação, obter tutela jurisdicional, vedado o seu tratamento como coisa” (art. 3º).[10]

Esse projeto já foi aprovado na Câmara e no Senado (n.º no Senado: 27/2018), mas, como recebeu emenda aditiva no Senado (foi incluído um parágrafo único ao art. 3º: “A tutela jurisdicional referida no caput não se aplica ao uso e à disposição dos animais empregados na produção agropecuária e na pesquisa científica nem aos animais que participam de manifestações culturais registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, resguardada a sua dignidade.”), retornou à Câmara para análise da modificação.

Note-se que, pelo projeto, todos os animais passam a ser considerados sujeitos de direitos, ainda que sem personalidade jurídica, não podendo mais ser tratados como coisas, modificando a interpretação comumente dada ao Código Civil brasileiro.

Não obstante, conforme emenda aprovada no Senado, alguns animais não poderão gozar e obter a tutela jurisdicional dos seus direitos, exceção essa, no entanto, frontalmente inconstitucional, pois viola a garantia do acesso à justiça, conforme art. 5º, XXXV, da Constituição. Não obstante, a emenda do Senado   expressamente reconhece a dignidade animal.

Por essas razões, espera-se que esse projeto seja definitivamente aprovado, sancionado e promulgado – preferencialmente sem a inconstitucional emenda senatorial – eliminando eventuais dúvidas sobre a existência de direitos fundamentais de quarta dimensão.

Além desse, merece destaque o Projeto de Lei da Câmara 145/2021, de autoria do Deputado Eduardo Costa, o qual, em seu art. 1º, impõe que “Os animais não-humanos têm capacidade de ser parte em processos judiciais para a tutela jurisdicional de seus direitos.” Esse projeto também altera o Código de Processo Civil para atualizar as disposições sobre a capacidade processual dos animais.[11]

Com a aprovação de ambos os projetos, atendem-se, no plano federal, às reivindicações para que animais sejam sujeitos de direitos (plano material) e sujeitos do processo (plano processual).

Falar que animais não são coisas já é falar de uma realidade que cada vez mais se consolidada em todos os planos de produção jurídica: na Constituição, nas leis, na jurisprudência e na academia.

_____________________________________________________________________________________________________

[1]              ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula; SILVA, Débora Bueno. Consciência e senciência como fundamentos do Direito Animal. Revista Brasileira de Direito e Justiça, Ponta Grossa: UEPG, v. 4, n. 1, p. 155-203, jan./dez. 2020.

[2]              Segundo a Declaração de Cambridge sobre a Consciência (2012) elaborado por neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos reunidos na Universidade de Cambridge/Reino Unido –, “A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos.” Conferir o texto original, em inglês, disponível em: <http://fcmconference.org/img/CambridgeDeclarationOnConsciousness.pdf>. Acesso em: 4. abr. 2018.

[3]              SINGER, Peter. Libertação animal. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004.

[4]
O princípio da dignidade animal está na base estrutural do Direito Animal, seja qual for a nacionalidade da ordem jurídica que o contemple. Não é possível falar em direitos animais sem reconhecer um estatuto de dignidade próprio para os animais não-humanos. No Brasil, esse princípio dimana do dispositivo constitucional que proíbe a crueldade contra animais, assentando que os animais também interessam por si mesmos, como seres conscientes e sencientes, a despeito da sua relevância ecológica, não podendo ser reduzidos ao status de coisas, nem serem objetos da livre ou ilimitada disposição da vontade humana. Como todo princípio é teleológico e visa a estabelecer um estado de coisas que deve ser promovido, sem descrever, diretamente, qual o comportamento devido, o princípio da dignidade animal tem, como conteúdo, a promoção de um redimensionamento do status jurídico dos animais não-humanos, de coisas para sujeitos, impondo ao Poder Público e à coletividade comportamentos que respeitem esse novo status, seja agindo para proteger, seja abstendo-se de maltratar ou praticar, contra eles, atos de crueldade ou que sejam incompatíveis com a sua dignidade peculiar. Com o princípio constitucional da dignidade animal, o Direito Animal vai além da proibição das práticas cruéis, para também disciplinar outras questões que dizem respeito à dignidade animal, mas que não envolvem, necessariamente, a crueldade: criação, compra, venda, leilão e sorteio de animais, antropomorfização de animais de estimação, uso da imagem de animais, guarda e direito de visitas de animais de estimação (em vez de partilha de bens), destinação adequada e respeitosa de restos mortais etc. Como uma das principais consequências desse princípio constitucional, o Código Civil brasileiro, enquanto lei ordinária, precisa ser relido, conforme a Constituição, para afastar qualquer interpretação que resulte em atribuir aos animais o status jurídico de coisa, bem móvel ou bem semovente. (ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Princípios do Direito Animal brasileiro. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, Salvador, v. 30, n. 1, p. 106-136, jan./jun. 2020).

[5]
A palavra especismo foi criada por Richard Ryder e difundida por Peter Singer, a partir dos anos 70 do século XX, para significar “o preconceito ou a atitude de alguém a favor dos interesses de membros da própria espécie e contra os de outras.” (SINGER, Peter. Libertação animal, cit., p. 8).

[6]              ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Direito Animal e Constituição. Revista Brasileira de Direito e Justiça, Ponta Grossa: UEPG, v. 4, n. 1, p. 13-67, jan./dez. 2020.

[7]              ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Introdução ao Direito Animal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, v. 13, n. 3, p. 48-76, set./dez. 2018.

[8]           Eis a ementa do respectivo acórdão: “VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS –CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada.” (STF, Pleno, ADI 4983, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, julgado em 06/10/2016, publicado em 27/04/2017).

[9]           A Áustria foi pioneira em incluir, no seu Código Civil, em 1988, um dispositivo afirmando que os animais não são coisas (tiere sind keine sachen), protegidos por leis especiais (§285a do ABGB); no mesmo sentido, em 1990, foi inserido o §90a no BGB alemão; em 2003, também no art. 641a do Código Civil suíço; de forma diferenciada foi a alteração do Código Civil francês, em 2015, dispondo, em seu art. 515-14, que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade (Les animaux sont des êtres vivants doués de sensibilité.); na mesma linha do direito francês, mudou o Código Civil português, em 2017, estabelecendo que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza (art. 201º-B).

[10]            Sobre esse projeto de lei, consultar: ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula; LOURENÇO, Daniel Braga. Considerações sobre o projeto de lei Animais Não São Coisas. Consultor jurídico, 1 set. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-01/ataide-junior-lourenco-pl-animais-nao-sao-coisas#:~:text=Pelas%20raz%C3%B5es%20expendidas%2C%20a%20aprova%C3%A7%C3%A3o,animais%20n%C3%A3o%20humanos%20no%20Brasil. Acesso em: 13 abr. 2021.

[11]            Sobre esse projeto de lei, consultar: ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Capacidade de ser parte dos animais: PL 145/2021 é avanço sem precedentes. Consultor jurídico, 15 fev. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-15/vicente-ataide-junior-capacidade-parte-animais. Acesso em: 13 abr. 2021.

.

.

.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente a da CEDEF.

Bioética no mundo pós pandemia

4 de maio de 2021|

Edna Cardozo Dias
Edna Cardozo DiasAdvogada brasileira com especialização em Direito Público, Ambiental e Animal.
Bacharel em Direito pela PUC – Faculdade Mineira de Direito – Belo Horizonte.
Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (Primeira tese no Brasil, na área do Direito, sobre direito dos animais- 2000).
Especializada em Criminologia pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais – Belo Horizonte.
Pós graduada em Direito Público pela Fundação Educacional Monsenhor Messias, Faculdade de Direito de Sete Lagoas – MG
É autora da primeira tese de doutorado sobre direito dos animais no Brasil, defendida junto à Faculdade de Direito da UFMG, intitulada “A tutela jurídica dos animais” (1ª edição 2000, 2ª edição atualizada 2018), levando ao mundo acadêmico a primeira semente para a formação de uma teoria dos direitos dos animais.
Foi também a primeira a primeira jurista a lecionar no Brasil a disciplina sobre Direito dos animais, junto à PUC/MG, em 2001.
Foi a primeira coordenadora de Defesa dos Animais, no município de Belo Horizonte, em 2016.
Autora dos livros “SOS ANIMAL” (1983 – Esgotado), “O Liberticídio dos Animais” (1997) e “Crimes Ambientais” (1998 – Esgotado), “A tutela jurídica dos animais” (1ª edição 2000 -, 2ª edição 2018, Editora Amazon.com), e “Manual de Direito Ambiental” (2003 – Esgotado) Editora Mandamentos – BH). Direito Ambiental no Estado Democrático de Direito, Editor Fórum (2013). Advocacia Animalista na Prática (2021). Viaje comigo pelo Brasil e pelo Mundo (2020)
Foi conselheira seccional da OAB/MG (2013-2015 – 2016/2018).
Presidente fundadora da Comissão dos Direitos dos Animais da OAB/MG – (2013/2018), Presidente fundadora da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/MG. (2006/2013). Membro suplente do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, representante das ONGs da região sudeste, por um mandato. Membro da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção de Minas Gerais (1993/1994 e 2001/2003). Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica em 2001. Membro da Comissão Extraordinária de Defesa e dos Direitos dos Animais do Conselho Federal da OAB (2015 e mandato 2019/ 2021).
Presidente fundadora da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal (1983/2016), Vice-Presidente para as Américas da Organisation Internacionale pour la Protection des Animaux, com sede na Suíça. Presidente do Instituto Abolicionista Animal – IAA (2016-2018)
Deu início à campanha que redundou na criminalização dos maus tratos aos animais em 1984, o que culminou no artigo 32 da Lei 9.605/1998. Atuou na aprovação do capítulo do meio ambiente da Constituição Federal de 1988 e foi a representante das ONGs de proteção aos animais na audiência pública realizada em 05/06/1988 na Câmara dos Deputados, em que foi entregue o capítulo do meio ambiente ao Senador relator. Vem trabalhando para alterar o Código Civil brasileiro a fim de mudar o status jurídico dos animais, para que deixem de ser “coisas”.

Segundo a OMS, uma pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença. O termo é utilizado quando uma epidemia – grande surto que afeta uma região – se espalha por diferentes continentes com transmissão de pessoa para pessoa.

Esta pandemia colocou em evidência a bioética. A bioética é uma disciplina interdisciplinar que traça princípios éticos e morais, utilizando conceitos da Biologia e do Direito relacionados com a conduta dos seres humanos em relação aos humanos e outras formas de vida, inclusive na medicina ou outras ciências.

COVID 19

O tema se tornou atual com o surgimento da chamada COVID-19. Este vírus misterioso surgiu na China O primeiro alerta do governo chinês à Organização Mundial de Saúde – OMS sobre o vírus se deu em dezembro de 2019. Segundo relatos iniciais tratava-se de uma pneumonia desconhecida que surgiu na cidade de Wuham. Foi identificado como um corona vírus que recebeu o nome o nome técnico Covid- 19. O Ministério da Saúde confirmou em 26 de fevereiro o primeiro caso de corona vírus no Brasil. A origem da doença foi atribuída à contaminação vinda do morcego ou do pangolim, que são hospedeiros naturais de diversos agentes infecciosos. Isto teria surgido com o consumo de carnes do animal no mercado de Wuhan.

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

Segundo cientistas chineses, o vírus pode ter passado dos animais para o homem em um mercado que vendia animais vivos em Wuhan. Mas a existência de um laboratório alimentou especulações de que foi ali que o vírus surgiu e escapou, como resultado de manipulações genéticas, acidentalmente ou não. O instituto abriga o Centro de Cultivo de Vírus, maior banco de vírus da Ásia, onde são preservadas mais de 1,5 mil variedades. De acordo com a Fox News, o “paciente zero” da pandemia pode ter sido infectado por uma variedade de vírus de morcego que estava sendo estudada no laboratório e que foi transmitido para a população de Wuhan.

Neste sentido Luc Montaigne, descobridor do vírus da AIDS e prêmio Nobel de Medicina 2008, declarou acreditar que o vírus foi criado no laboratório durante a tentativa de produção de vacina contra a AIDS.

Da mesma opinião é a virologista chinesa Li Ming Yan. Ela é uma pesquisadora chinesa formada em medicina, com doutorado e especialização em imunologia e virologia.  Ela declarou que o SARS- COV-2 foi intencionalmente desenvolvido em laboratório. Ela afirma que suas tentativas de alertar a comunidade científica sobre os perigos do vírus foram silenciadas pelo governo Chinês. Posteriormente a pesquisadora se refugiou nos EUA alegando perseguição. Suas alegações foram publicadas em 14 de setembro de 2020 em um artigo não revisado por seus pares escrito em coautoria com outros três pesquisadores, gerando repercussão na comunidade científica.

MERCADO CHINÊS, TRÁFICO DE ANIMAIS E MEDICINA EXÓTICA

A China, além de consumir carne de vários animais e insetos é responsável por saquear os países africanos e asiáticos, e comercializar animais para o comércio da medicina exótica, principalmente onde a caça é liberada. O comércio de afrodisíacos e outras drogas inclui vísceras e partes de animais, como chifres de rinoceronte, de veados, vértebras de tigres, testículos de focas, sangue de cobra, bílis de urso, insetos e outros provenientes do massacre da fauna.

Seres sensíveis como os ursos passam a vida aprisionados em lúgubres masmorras para ter extraída a bílis de sua vesícula para suposta cura de problemas no estômago, fígado e até câncer. Rinocerontes tem seus chifres arrancados para fabricação de remédio para curar febre, epilepsia e outras doenças. Ossos e pênis de animais são vendidos como afrodisíaco. Partes de tigre de bengala são transformadas em poções, assim como a cobra, de cujo sangue se produz vinho e bálsamos.

No nordeste do Brasil muitos animais são utilizados pra fabricação de remédios para vários fins e o olho de boto é usado como talismã.

OUTRAS PANDEMIAS

Outras pandemias inesquecíveis foram a peste negra e a gripe espanhola.

A peste negra, como ficou conhecida a peste bubônica, é uma doença causada pela bactéria Yersinia pestis, que atingiu o continente europeu em meados do século XIV. Existem inúmeras teorias sobre o lugar específico onde a doença surgiu, mas a mais aceita sugere que o lugar de origem é a China e que, durante muito tempo, a peste tenha atuado exclusivamente na Ásia Central. A partir do século XIV, ela se espalhou por terra e por mar pelo Oriente. A doença teve contato com os europeus por meio de um conflito que aconteceu em Caffa, colônia genovesa localizada na Crimeia (região atualmente disputada por Ucrânia e Rússia). As estimativas mais tradicionais falam que cerca de 1/3 da população europeia morreu por causa da crise de peste negra. Inicialmente, os principais agentes transmissores da doença eram os ratos e as pulgas, que se proliferavam com facilidade tanto nas cidades quanto nos vilarejos menores em razão das condições precárias de higiene. Posteriormente, na fase mais crítica da pandemia, a contaminação ocorria por via aérea. Por meio de espirros ou tosse, o bacilo acabava sendo transmitido pelo ar.

A gripe espanhola foi o nome que recebeu uma pandemia de vírus influenza que se espalhou pelo mundo entre 1918 e 1919. Ninguém sabe exatamente de onde veio, mas o vírus influenza não se originou em seres humanos. Uma hipótese mais aceita é que teria se originado a partir de alguma gripe de aves aquáticas e migratórias e esse vírus começou a nos atormentar já fazem mais de 2000 anos. Um vírus aviário pode infectar um indivíduo, mas só consegue ser transmitido entre pessoas se sofrer mutação, Ou no caso de encontrar um intermediário, os porcos, por exemplo.

Embora conhecida como gripe espanhola ou bailarina da morte, não teve origem na Espanha. A Espanha foi o país que mais noticiou a pandemia, então acabou dando nome ao vírus. Segundo o historiador John Barry a teoria mais aceita é que a peste atingiu os EEUU em 1018, quando um hospital do quartel, Camp Fuston, situado dentro da base militar de Fort Riley recebeu soldados infectados, vindos de um vilarejo onde havia criação de gado.

Outra origem suspeita das pandemias tem origem da prática da vivissecção. Em 8 de agosto de 1967 o alemão Klaus F., tratador dos animais de laboratório Behring – Werke em Marburg, foi acometido de um misterioso vírus e morreu em duas semanas. Em 21 de agosto de 1967 Heinrich P., ajudante de vivissecção e executor dos animais, acusou os mesmos sintomas. E em 28 de agosto do mesmo ano, foi a vez da assistente de laboratório Renate R. Ao final 31 empregados de Behring – Werke adoeceram e 7 dentre eles morreram. O vírus desconhecido foi chamado de Vírus Marburg, nome da pequena cidade que sediava o laboratório, e desconfia-se que veio dos macacos importados de Uganda. Os animais em questão estavam munidos de certificado de saúde fornecido por autoridades veterinárias de Entebe e foram devidamente examinados por veterinários na sua chegada a Dusseldorf. O laboratório Behring – Werke fabrica vacina anti-polio cultivando o vírus vacinal nos rins de macacos. O mesmo vírus apareceu em 1967 na Yuguslávia, em um laboratório de Belgrado, mas ignora-se as consequências do fato.

Nove anos depois, Em 1976 uma epidemia de vírus desconhecido, mas com efeitos similares ao de Marburg eclodiu no Sudão, matando 284 pessoas. Dois meses depois vírus análogo surgiu no Zaire, infectando 318 pessoas, e matando 88% delas. Como a moléstia se deu perto do Rio Ebola, um afluente do Congo, o novo vírus foi batizado de Ebola. Em 1979 Ebola se manifestou de novo no sul do Sudão, matando 34 pessoas. Em 1995 o Ebola volta a abater o Zaire fazendo 153 vítimas entre janeiro e maio, num total de 205 casos.

O Ebola apareceu, ainda, no laboratório militar Fort Detrick, em Maryland (USA), que oficialmente utiliza as cobaias animais e humanas para proteger os soldados contra a arma biológica e, oficiosamente, produz armas biológicas e vírus mortais para serem usados nas guerras. Em 1981, segundo documentos do Ministério de Defesa americano diversos litros do vírus Chikungunya desapareceram dos refrigeradores de Fort Detrick.

Foi em 4 de outubro de 1989, ironicamente no dia em que se comemora o Dia Internacional dos Animais, que a firma comerciante de animais de laboratório Hazleton Research Products recebeu um carregamento de 100 macacos proveniente do fornecedor filipino Ferlite Farms, com sede em Manilha. Os animais começaram a morrer semanas depois. Os animais mortos foram enviados a Fort Detrick para autopsia e foi detectada a febre hemorrágica e suspeita de Ebola. O laudo observava que os caninos dos macacos não foram lixados para evitar contaminação com mordidas, ocasião em que se descobriu que os animais sofriam mais esta agressão habitualmente. O edifício foi evacuado, o ar refrigerado estragou e ninguém queria entrar no recinto com medo da contaminação. Então, os animais sobreviventes ficaram encerrados nas jaulas, abandonados á própria sorte, em temperatura tórrida e no meio de suas fezes, esperando a morte num mar de sangue.

Um dos primeiros casos de doença viral contraída em laboratório de vivissecção remonta a 1898, quando um tratador de animais de laboratório foi acometido de uma infecção pulmonar através de contato com porcos da Índia submetidos á experimentação.

É a partir dos laboratórios que se difundem as infecções.  É importante de se ressaltar, que as mesmas espécies e raças de animais são totalmente inofensivos quando não são maltratados e quando os deixamos viver livres conforme suas exigências naturais. E àqueles que se perguntarem qual a relação entre os maus tratos infligidos a animais nos laboratórios e a explosão da epidemia na África, respondemos:

Em diversas regiões da África os macacos são cozidos vivos. E não foi à toa que a primeira vítima da epidemia Ebola no Zaire, em 1976, foi um professor que havia comido macaco. O macaco defumado é um prato típico do Zaire.

A captura desses animais é um acontecimento dramático. As mães defendem seus filhos até a morte e todo clã defende os mais fracos, lançando-se em luta desesperada. Certos animais sobem nas árvores e muitas vezes tem as mãos cortadas antes de se renderem. Os que escapam nunca mais são os mesmos e ficam traumatizados pelo resto da vida. O desmatamento destrói o ecossistema e obriga os animais a viverem de forma anormal e estressante. A caça ilegal reduz a Fauna e com todos esses fatores o vírus encontra terreno favorável para sua propagação. As florestas tropicais e equatoriais são as principais fontes de recursos do planeta, mas também reservatório de vírus a que chamamos emerging vírus. A ausência de vida nas florestas  também leva à condição conhecida por Síndrome da Floresta Vazia. O tema foi discutido pela primeira vez há mais de 20 anos por Kent Redford, que dissertou sobre o esvaziamento e empobrecimento da biodiversidade. Ele escreveu o artigo “The Empty Forest”, traduzido para o português “A Floresta Vazia”, e que foi publicado na revista científica BioScience.

CONCLUSÃO

As endemias e pandemias surgem, sobretudo, devido à maneira como o ser humano se relaciona com os animais e a natureza. Para evitarmos novas pandemias temos que mudar nosso relacionamento com os animais não humanos e a maneira como exploramos o meio ambiente. As mesmas ações que estão causando extinção das espécies, perda de habitat e mudanças climáticas também provocarão futuras pandemias, afirmam os cientistas. Somente a mudança de comportamento do homem e a proteção do meio ambiente e dos animais poderão evitar futuras pandemias.

Como principais causas podemos destacar como fatores problemáticos a destruição ou perda dos recursos naturais, limitação de recursos naturais, consumo e transporte de produtos perigosos e a superpopulação de animais humanos. Decisões e políticas equivocadas, falta de previsão e planejamento futuro, mau comportamento racional, valores desastrosos e soluções malsucedidas. Tudo isto exige mudanças importantes.

Muitas mudanças serão necessárias, como mudança nas políticas públicas, leis mais rigorosas para proteger o meio ambiente e a conscientização da população. A população precisa assumir sua responsabilidade junto ao setor produtivo e o Poder Público. Uma mudança de hábitos, mudanças alimentares, e de higiene será de grande importância para estancarmos a pandemia que se avança e para nos devolver uma vida saudável. Tornou-se urgente se rever a prática da vivissecção e nossos hábitos alimentares.

Temos que refletir sobre causas e erros do passado para decidir quais valores fundamentais merecem ser mantidos e quais não fazem mais sentido. O futuro está em nossas mãos.

REFERÊNCIAS BIOGRÁFICAS:

DIAMOND, Jared. Colapso, como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Editora Record. Rio de Janeiro, 2009.

DIAS, Edna Cardozo. O apocalipse de novas doenças. Tribuna do Ceará, fortaleza, 14 de janeiro de 1996, pg.8.

DIAS, Edna Cardozo. O liberticício dos Animais. Editado pela Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal. Belo Horizonte: 1997.

SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING Heloisa Murgel. A Bailarina da Morte, a gripe espanhola no Brasil. Companhia das Letras. São Paulo: 2020.

SHAR MANZOLI, AIDS STORY. ATRA. CH, 6528. Comerino. Suiça.

SHAR MANZOLI, Milly. Le tabou des vaccinations. Arbedo, Suíça: Atra, 1994.

SHAR MANZOLI. Apocalypse ebola. Suíça: Atra, 1995.

SHAR MANZOLI. Guida ai farmaci e vaccini. Suíça: Grupo Editoriale Muzzio, 1989.

SHAR MANZOLI. Holocausto. Traduzido para o português por Maria Stella Scaff Glycerio, da Associação Brasileira de Tecnologia Alternativa na Promoção da Saúde — TAPS. Suíça: ATRA, 1995.

SHAR MANZOLI. Manuale di defesa immunologica. Suíça: Grupo Editoriale Muzzio.

.

.

.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente a da CEDEF.

Fôssemos todos veganos, existiriam essas novas pandemias?

26 de abril de 2021|

Colunista
Colunista
Pós-doutor de Direito Animal pela UFBA. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR (Mestrado e Doutorado). Coordenador do Programa de Direito Animal da UFPR. Líder do Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD-UFPR (ZOOPOLIS). Coordenador do Curso de Especialização em Direito Animal da UNINTER/ESMAFE-PR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Juiz Federal em Curitiba.

Vicente de Paula Ataíde Junior[1]

“Quando o homem chega às últimas extremidades, recorre ao mesmo tempo aos últimos recursos. Desgraçados dos seres indefesos que o rodeiam!” (Vitor Hugo, Os Miseráveis)

As evidências científicas continuam a ligar o início do surto de COVID-19[2], doença produzida pelo vírus Sars-Cov-2,[3] ao consumo humano de animais vendidos no wet market da cidade de Wuhan, província de Hubei, centro da China.[4]

O wet market é um mercado de animais vivos, muitos mortos na hora da venda, mantidos em condições geralmente cruéis, insalubres e degradantes. Ainda que possam ser encontrados em outras partes do mundo, são mais frequentes e populares nos países asiáticos.[5]

No wet market de Wuhan, dezenas de espécies da fauna silvestre e domesticada eram disponíveis para comercialização e consumo humano, incluindo cobras, morcegos, raposas, marmotas, tartarugas, gatos civetas, pangolins, além de variados peixes e animais aquáticos, coelhos, porcos e galinhas.[6]

A COVID-19 foi detectada em animais desse mercado e várias pessoas infectadas frequentaram suas instalações.[7] Essas circunstâncias levaram o governo chinês a fechar o estabelecimento[8] e a decretar a proibição de comércio e do consumo de animais silvestres.[9]

Mas, não é a primeira vez que uma pandemia é zoonótica, ou seja, iniciada pela transmissão de animal não-humano para humano, especialmente pelo consumo de produtos de origem animal.

O quadro abaixo é um resumo das principais pandemias[10] registradas no século XXI:

Doença

Vírus

Local de origem

Ano

Animal envolvido

COVID-19 SARS-Cov-2 China 2019 Morcego ou pangolim
Gripe Aviária [11] H7N9 China 2013 Galinhas
MERS [12] MERs-Cov Arábia Saudita 2012 Dromedários
Gripe Suína (Influenza A) [13] H1N1 México/EUA 2009 Porcos
Gripe Aviária [14] H5N1 Ásia 2003 Galinhas
SARS[15] SARS-Cov China 2002 Morcegos/Civetas

Não obstante, muitas das epidemias e pandemias de períodos anteriores também tiveram origem no consumo de animais: o vírus Ebola, por exemplo, originário da África, surgido em 1976, com grave recidiva a partir de 2014, de alta letalidade para humanos, surgiu do consumo de animais infectados por morcegos.[16] A própria AIDS, doença produzida pelo vírus HIV, manifestada em humanos, com maior força e evidência, a partir do início da década de 80, do século XX, surgiu de primatas,[17] caçados e/ou domesticados em países africanos.

Parece evidente que, para além das indispensáveis medidas sanitárias para a contenção da nova pandemia, é absolutamente necessário levar a sério as causas dessas doenças que, tão rapidamente, têm se alastrado pelo mundo, infectando e matando milhares de pessoas, além de abalar economias.

A COVID-19 já era esperada pelos cientistas. A China, pelos seus hábitos alimentares, considerados exóticos pelo consumo de animais silvestres de diversas espécies, era uma bomba relógio, aguardando o tempo certo para explodir.[18] E, enfim, explodiu.

Como as anteriores, essa pandemia vai se dissipar.

Mas, ficaremos a esperar a próxima?

Mantida a atual banalização da exploração cruel de animais silvestres e domésticos, certamente teremos uma próxima catástrofe pandêmica. Talvez mais grave e mais mortífera, talvez menos, mas, inequivocamente, com mais pessoas mortas. Talvez, – e isso não pode ser absolutamente descartado –, um dia enfrentaremos a pandemia responsável pela extinção da espécie humana do planeta.

Temos a opção de mudar esse final, no entanto.

Isso dependerá de um redimensionamento das nossas relações com o meio ambiente e, em especial, com os animais. Revisão de hábitos alimentares, educação para o respeito à natureza e à dignidade animal, positivação de direitos fundamentais animais. A morte e a exploração animal não são necessárias para nossa vida e a nossa saúde.[19] Podemos deixá-los em paz. Essa opção coincide com a primeira: parar com a exploração animal significa evitar a nossa própria destruição.

A China, o epicentro da COVID-19, parece ter adotado uma atitude sensata ao proibir o consumo de carne de animais silvestres. Mas, e os demais países? E o Brasil? Seremos os futuros outbreaks?

Os animais não têm culpa pelas pandemias: culpada é a nossa insistência em explorá-los. Por isso, parece que as condutas veganas e as dietas vegetarianas não são mais apenas questões éticas, mas verdadeiras exigências de saúde pública global.


 

[1] Juiz Federal no Paraná. Professor Adjunto do Departamento de Direito Civil e Processual Civil da Universidade Federal do Paraná. Professor do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Universidade Federal do Paraná. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós-doutor em Direito Animal pela Universidade Federal da Bahia. Coordenador do Programa de Extensão em Direito Animal da Universidade Federal do Paraná. Coordenador e Professor do Curso de Especialização em Direito Animal (EAD), da ESMAFE-PR/UNINTER. Membro da Comissão de Direito Socioambiental da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE). Contatos: Portal e E-mail vicente.junior@ufpr.br

[2] “Desde o início de fevereiro [de 2020], a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a chamar oficialmente a doença causada pelo novo coronavírus de Covid-19. COVID significa COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus), enquanto “19” se refere a 2019, quando os primeiros casos em Wuhan, na China, foram divulgados publicamente pelo governo chinês no final de dezembro. A denominação é importante para evitar casos de xenofobia e preconceito, além de confusões com outras doenças.” (Disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[3] Sigla de Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2, conforme informação da Organização Mundial da Saúde (disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[4] Conforme informações da revista eletrônica Nature Medicine, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[5] Informação disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[6] Para uma visão real do que era o wet market de Wuhan, assista à reportagem do programa 60 minutes Austrália, intitulada World of Pain (“Mundo de Dor”), no qual, além da cobertura sobre as origens do COVID-19 ligadas ao mercado, apresenta uma incursão no interior do estabelecimento, por meio de um jornalista disfarçado (Disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[7] Conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[8] Em 1º de janeiro de 2020, conforme informação da Organização Mundial da Saúde (disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[9] Conforme portal oficial do governo chinês, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[10] Sobre as diferenças entre endemia, epidemia e pandemia, consultar o artigo disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[11] Conforme informações científicas disponíveis aqui. Acesso em: 25 mar. 2020. p. 16-18.

[12] Sigla de Middle East respiratory syndrome coronavirus, conforme informação disponível no Portal da Organização Mundial da Saúde aqui. Acesso em: 25 mar. 2020. As informações sobre a doença também são da Organização Mundial da Saúde, disponíveis em aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[13] Informações obtidas no Portal da Organização Mundial da Saúde, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[14] Conforme informações da FioCruz, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020. Ver também o artigo científico disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[15] Conforme informações da Organização Mundial da Saúde, disponíveis aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[16] Informações disponíveis aqui. Acesso em: 26 mar. 2020; e aqui . Acesso em: 26 mar. 2020.

[17] Informação disponível aqui. Acesso em: 26 mar. 2020.

[18] Em artigo científico assinado em 2007, cientistas chineses já alertavam sobre essas possibilidades. Consultar: CHENG, Vincent C. C., LAU, Susanna K. P., WOO, Patrick C. Y., YUEN, Kwok Yung. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus as an Agent of Emerging and Reemerging Infection. Clinical Microbiology Reviews, DOI:10.1128/CMR.00023-07, v. 20, n. 4, p. 660-694, out. 2007, disponível aqui. Acesso em: 17 mar. 2020.

[19] A propósito da adequação nutricional das dietas estritamente vegetarianas, inclusive para crianças, consultar aqui. Acesso em: 26 mar. 2020; E aqui. Acesso em: 26 mar. 2020.

Download do artigo em PDF

Licença para ser livre!

9 de março de 2021|

Aleluia Heringer

A primeira prova que temos da domesticação de cavalos é do ano 4.000 a.C., na Ucrânia, segundo Jared Diamond no seu livro Armas, Germes e Aço. Em seu estudo, ele diz que, de todas as espécies de animais existentes acima de 37 quilos, somente 14 se mostraram aderentes à domesticação e, destas, somente cinco se espalharam e passaram a ser utilizadas em todo o mundo. São elas: a vaca, a ovelha, a cabra, o porco e o cavalo. O que esses animais têm em comum? As características sociais, tais como: vivem em rebanhos; ocupam a mesma pastagem; têm uma ordem estereotipada; e mantêm uma hierarquia de dominação bem desenvolvida, que foi assumida pelos humanos. Ser domesticado significou perder a liberdade e ter a procriação e alimentação controladas. Uma vida particularmente difícil, não exatamente pelo “modo como eles morrem, mas, acima de tudo, o modo como eles vivem”, como diz Yuval Noah Harari no seu livro Sapiens.

No momento, irei me deter na figura do cavalo. Pela sua forte estrutura e agilidade, foi exaustivamente utilizado, exaurido ao máximo de suas forças. Cavalos estão presentes ao longo do livro Guerra e Paz, de Leon Tolstói. Mesmo sendo coadjuvantes da história, não passam despercebidos em cenas dramáticas, quando “por toda a parte havia cadáveres de cavalos e de homens, em variado estado de decomposição (página 1290 – Capítulo XIII). Foi decisivo no campo e como meio de transporte. Impressionante o relato de Andrea Wulf, no livro A invenção da Natureza, quando narra a última viagem do naturalista alemão Alexander Von Humbold, em 1829. Com um comboio de três carruagens, Humbold “percorreu 16.093 quilômetros em menos de seis meses, passando por 658 postos de correio, e usando 12.244 cavalos”.

Estamos no ano 2021. As guerras não são mais com cavalarias. Não viajamos mais a cavalo. Desde a década de 60, a população brasileira é urbana. Nossas cidades são áridas, ruidosas, cimentadas e sem arborização. Nesses centros urbanos, não há mais áreas de pastagens, com sombra e água. Quando velhos, cavalos se tornam incapazes para puxar a carga. Para onde vão? Quem irá cuidar? Afinal, estamos falando de um mamífero de, em média, 500 quilos, que demanda espaço e dinheiro para acessar um veterinário, comprar remédios e se ocupar em alimentá-lo diariamente. São inúmeros os casos dos “descartados”, quando perdem a utilidade. São resgatados, muitas vezes, desorientados, doentes, feridos e esfomeados. A fatura tem caído no colo de voluntários, socorristas ou de ONGs que, sem estrutura e recursos, estão na linha da frente atuando no resgate.

Esse problema tem um forte apelo social, devido a sua interface com aquele que guia a carroça: o carroceiro, que ainda depende do cavalo para a sua sobrevivência. Alguns grandes centros urbanos, felizmente, já legislaram no sentido de realizar a substituição gradual das carroças para veículos de tração motorizada. O importante é que as alternativas para a solução do problema, sejam dignas, humanitárias e justas com os carroceiros e com os cavalos.
A humanidade, tardiamente, se desculpou diante de muitas atrocidades do passado e que hoje nos envergonham. Pelo reconhecimento a todo o bem que a humanidade, até agora, usufruiu à custa dos cavalos, chegou a hora de dar a eles a licença para que sejam livres e abolir, definitivamente, essa exploração do nosso meio. Quero acreditar que, se fomos capazes da proeza de levar para Marte o robô Perseverance da NASA, após quase sete meses de viagem, teremos também a capacidade de dar uma resposta adequada a esse quadro que envolve a miséria do carroceiro e o sofrimento e escravidão do animal. Que possamos escolher a via do diálogo, da libertação, da compaixão e da responsabilidade social.

Aleluia Heringer
Aleluia Heringer
Possui Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais ; Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais ; Especialista no Ensino da Educação Física (PUC-Minas) e graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Minas Gerais . Atualmente é diretora de unidade – Colégio Santo Agostinho – Contagem.

O Choro do Pantanal

15 de outubro de 2020|

Aleluia Heringer

Uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta tanto chorou que secou. Animais carbonizados. Os que conseguiram sobreviver, assustados com olhar atônito, não sabem para onde correr. Não entendem o que está acontecendo. Imagino que se perguntam: fizemos algo para merecer a dizimação?

Árvores esturricadas, rios desidratados. As nuvens ouviram os gemidos agonizantes da Terra. Fizeram luto. Choraram água com fuligem escura.

A jaguatirica com as patas feridas, não consegue correr. Tal cena lembra nossa incompetência como mordomos da criação. Seremos demitidos pelo Criador?

A notícia nos chega como um espelho que reflete o lado sombrio e demente da humanidade. Silenciamos. Inconsoláveis e imponentes, ficamos paralisados, sabendo que, depois do estrago feito, pouco adiantará carta-aberta, nota de repúdio, culpar alguém. E agora, José?

Quem lançou a primeira centelha de fogo? É alguém, um sistema, um projeto de governo ou tudo isso e nós? A destruição insistente daquilo que ainda resta dos biomas brasileiros têm a coautoria de eleitores, do legislativo, do judiciário e do executivo. A proteção do patrimônio ambiental brasileiro deveria ser um imperativo do Estado Brasileiro, acima dos governos que se alternam, pois não pode corresponder à lógica imediatista da economia e da política.

A destruição da vida onde ela pulsava exuberante tem várias assinaturas. O DNA é do sistema que tem ânsia de expansão, de bater recordes de PIB, de safra, de minério e de rebanho. Sempre mais e mais, sem o tempo natural de restauração. Nossa estética é de tratores, motosserras, escavadeiras, dragas. Esses equipamentos falam da nossa linguagem e disposição. Destruímos aquilo que nos dá a vida e sustento: a água, as árvores e a possibilidade de continuarmos existindo. Ignorantes somos nós!

A centelha está em nossas demandas de consumo, em nossa avidez de comer e consumir muito além que precisamos. Puro capricho de desejos fúteis. Autorizamos, como mercado, a expansão. Podemos, de igual modo, desautorizar com nossos hábitos, valores e estilo de vida. Hoje, comprar, comer, vestir, viver são atos políticos.

A vida prevalecerá, pois é inerente à natureza, contudo, estamos tensionando para além do limite de recuperação. Na paisagem da terra arrasada, seguiremos nossa rotina? Que os artistas desenhem, cantem, façam poemas e pintem esse momento, talvez a única forma de redimirmos com o universo e de deixar o registro desta desgraça – a falta de graça de nossa história. Sem tempo para o luto, precisaremos de uma grande aliança em defesa daquilo que nos resta. Chega de brincar com fogo.

Aleluia Heringer
Aleluia Heringer
Possui Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais ; Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais ; Especialista no Ensino da Educação Física (PUC-Minas) e graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Minas Gerais . Atualmente é diretora de unidade – Colégio Santo Agostinho – Contagem.

Escolas de Belo Horizonte terão aulas de Direito Animal

5 de julho de 2020|

Esta semana foi publicado no Diário Oficial de Belo Horizonte a Lei 11.243/2020 que institui o Direito na Escola como conteúdo a ser ministrado nas escolas do município.

O Direito na Escola (DNE) é um projeto idealizado pelo Professor e Advogado Lucas Andrade, que, consciente de que toda a transformação social passa por conscientização, vêm trabalhando a ideia de levar noções de direito para as crianças e adolescentes do ensino fundamental e médio.

O Programa DNE conta com o apoio da OAB/MG e visa contribuir com a formação de uma nova geração de cidadãos, mais conscientes sobre direitos, valores, ética e deveres. Todos os professores do projeto são voluntários, formados em Direito e capacitados para trabalhar os conteúdos propostos com os professores (que serão os replicadores) e também com alunos, conforme as peculiaridades de cada escola.

Dentre as matérias que são trabalhadas no DNE está o Direito Ambiental e, para o bem da fauna, o Direito Animal! Nas aulas sobre essa temática, serão tratados temas como a Ética e os animais, a Guarda responsável, os Direitos Animais, os maus tratos aos animais utilizados para trabalho e para diversão humana, a importância de manter os animais silvestres livres na natureza.

Agora, o Direito na Escola é lei em Belo Horizonte. Isso representa um grande ganho para a sociedade e nós, que trabalhamos com Direito Animal, celebramos, de forma especial, a importância da iniciativa para contribuir com a construção de uma cidade melhor para pessoas e animais.

Por Samylla Mól

Autora do material sobre Direito Animal do DNE

Coordenadora de Fauna da SEMAD

Samylla Mól
Samylla Mól
Possui graduação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (2001), graduação em DIREITO pela Faculdade de Direito Milton Campos (2007) e mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (2015). É professora com formação em Magistério e experiência em Didática e Metodologia de ensino. É palestrante e consultora jurídica. Membro do Instituto Abolicionista pelos Animais (IAA) – Diretoria Cultural – e da ALDA ( Asociación Latinoamericana de Derecho Animal). Autora dos livros: Nós e os animais e Carroças urbanas e animais: uma análise ética e jurídica. Coatora do livro A proteção jurídica aos animais no Brasil: uma breve história. Atualmente atua na Diretoria de Inteligência e Ações Especiais como Coordenadora de fauna e pesca.

MG inaugura Centro de Referência em Abrigamento Animal e capacitação de Gestores Públicos

8 de junho de 2020|

Samylla Mól
Samylla Mól
Possui graduação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (2001), graduação em DIREITO pela Faculdade de Direito Milton Campos (2007) e mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (2015). É professora com formação em Magistério e experiência em Didática e Metodologia de ensino. É palestrante e consultora jurídica. Membro do Instituto Abolicionista pelos Animais (IAA) – Diretoria Cultural – e da ALDA ( Asociación Latinoamericana de Derecho Animal). Autora dos livros: Nós e os animais e Carroças urbanas e animais: uma análise ética e jurídica. Coatora do livro A proteção jurídica aos animais no Brasil: uma breve história. Atualmente atua na Diretoria de Inteligência e Ações Especiais como Coordenadora de fauna e pesca.

No jornal de sexta, 05/06/2020, uma notícia causa alvoroço: o governo de Minas cria um centro de abrigamento animal.

Imagino as pessoas lendo o jornal. Aquele senhor que banha-se no antropocentrismo suspira aliviado: enfim, um fim para esses vira-latas. Outros, apropiando-se do discurso de neofascismo em voga, pensarão: pobre animais, um novo holocausto, com centro de referência pra garantir os 100% sucesso em isolá-los da sociedade.

Os gestores municipais animam-se e entram em contato por mensagens e telefonemas. O mundo animal não está a salvo, nem em perigo, ressalto aos incautos.

O Governo de Minas, nessa gestão, trabalha sério pelos animais. Sim, por eles.

Ao longo da história os animais já foram compreendidos como objetos decorativos num planeta criado para humanos. Borboletas, papagaios, canários com seu canto, tudo criado para enfeitar o mundo e dar a Adão e Eva o cenário perfeito.

Isso sem falar nos bichos concebidos como comestíveis, criados , segundo a interpretação do Gênesis para dominação humana.

Acontece que um bocado de anos se passaram e gente de alto escalão, com Darwin, Peter Singer e, recentemente o Papa Francisco, vieram chamar a atenção. Não é bem assim, pessoal.

Bichos sentem, bichos pensam e não são enfeites planetários, não!

A Encíclica Laudado Si, do atual Papa Francisco lembra que a palavra domínio, expressada na Bíblia, significa gestão, comprometimento, obrigação de conduzir da melhor forma , levando em conta o bem de tudo o que vive e sente.

Pois bem.

Voltemos ao recém inaugurado Centro de Referência em Abrigamento Animal (CRAA) de Minas Gerais. Primeiro, não respirem aliviados. Os problemas com a superpopulação , o abandono e as zoonoses não terminam aí. Outrossim, passam por manejo ético populacional , vacinação, educação para a guarda responsável e para a empatia, direito animais, legislação ,registro e identificação de animais e adoção responsável. O CRAA irá capacitar agentes municipais para realizarem esse trabalho, mas isso é só o começo. Precisamos de mão de obra e de mãos à obra.

Segundo, a saúde humana não resta resguardada com o mero abrigamento de animais. A menos que ele fosse – o que não procede- a estratégia imoral de velar a realidade por detrás das altas taxas de natalidade animal e de abandono, mediante o confinamento de bichos.

A saúde humana é composta de uma complexidade de relações fisico-químicas, sensoriais e emocionais. As vacinas ajudam, o controle de doenças transmissíveis aos humanos também, mas nada disso tem valor ao cidadão empático , que sofre ao ver a dor e o abandono de outro ser vivo.

É sobre essa saúde complexa que queremos falar. Saúde que não se compra em vacinas ou medicamentos, mas , sim , em bem-estar. A professora Dra Carla Molento, ensina que o bem-estar está relacionado com a capacidade de resolver problemas. Se tenho fome, como. Se me sinto presa, saio pra passear. Por outro lado, se me dói ver carroças, engulo a dor e me sinto mal. Se me dói ver animais ardendo em bicheiras nas ruas, tento ajudar, mas são muitos, então durmo frustrada. Isso é mal-estar e adoece.

Os problemas dos animais afligem grande parte da sociedade contemporânea, empática, sabedora da consciência e da sensciencia no animais, tal qual ensinam os doutores de Cambridge.

O governo de Minas Gerais quer trabalhar em prol da saúde humana (latu sensu) e animal. Aí está o fundamento do recém lançado Centro de Referência em abrigamento animal. Ele visa capacitar gestores públicos municipais para que estes, em seus municípios, realizem o manejo ético humanitário de animais. Ele não é e não será a solução para todos os problemas relacionados aos animais domésticos em situação de vulnerabilidade em Minas Gerais, mas, outrossim, será o norte que permitirá que estado e municípios, em parceria, encontrem soluções técnicas e éticas para a superpopulação de cães e gatos.

Um primeiro passo, gigante, paradigmático, inaugurador.

Samylla Mól

Mestra em Direito Ambiental – Historiadora

Coordenadora de Fauna da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de MG

Carroças urbanas : perpetuação da miséria humana e animal

26 de março de 2020|

Samylla Mól
Samylla Mól
Possui graduação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (2001), graduação em DIREITO pela Faculdade de Direito Milton Campos (2007) e mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (2015). É professora com formação em Magistério e experiência em Didática e Metodologia de ensino. É palestrante e consultora jurídica. Membro do Instituto Abolicionista pelos Animais (IAA) – Diretoria Cultural – e da ALDA ( Asociación Latinoamericana de Derecho Animal). Autora dos livros: Nós e os animais e Carroças urbanas e animais: uma análise ética e jurídica. Coatora do livro A proteção jurídica aos animais no Brasil: uma breve história. Atualmente atua na Diretoria de Inteligência e Ações Especiais como Coordenadora de fauna e pesca.

A utilização de carroças no Brasil tem raízes históricas, remontando aos tempos de colônia. Essa atividade surgiu da necessidade de transportar pessoas e mercadorias , quando os motores eram inexistentes. 

Ocorre que, das suas origens aos dias de hoje, o cenário e os recursos sofreram profundas alterações e, face aos avanços na tecnologia e às facilidades de transporte hoje existentes, as carroças resistem como instrumento que retrata a miséria humana e animal.  

Quem são os trabalhadores que conduzem carroças hoje? Em que condições o trabalho deles é realizado? Essa atividade é regulamentada, de modo a assegurar a segurança no trânsito, dos condutores, passageiros, pedestres e demais motoristas? 

A resposta a esses questionamentos vai apontar para a bruta realidade de pessoas mantidas à margem da sociedade e do mercado de trabalho formal e assecuratório de direitos.  

Os condutores são pessoas, em geral, simples, que vêem na condução de carroças a única fonte de sustento sua e/ou da família Estudos sobre o perfil sócio-econômico dos carroceiros apontam que sua renda é baixa e insuficiente para assegurar condições dignas de vida, saúde e conforto. 2 Em pesquisa realizada no Município de Belo Horizonte, constatou-se que quase metade desses trabalhadores advieram do êxodo rural. Dentre eles, muitos são analfabetos ou têm escolaridade baixa.3 Neste cenário, é difícil sustentar a tese de que tal forma de trabalho seja opção em detrimento de outras mais lucrativas, mais seguras, menos rudes com o homem e com o animal.  

É cômodo aos olhos do Estado manter os status quo e perpetuar uma atividade discrepante com o século XXI mas é omissão não cumprir com Poder Dever de zelar pelos Direitos Humanos  de regular o trânsito e de coibir os maus tratos aos animais trabalhadores. 

Os animais, aliás, são a outra ponta dessa questão: hoje eles são tutelados pela Constituição Federal – que veda  as práticas que os submetam à crueldade – e pela legislação infraconstitucional. Maltratar animais é crime (Lei 9605/98) e, em Minas Geraisinfração administrativa (Lei 22.231/16). 

Não há como se falar de utilização de animais para tração em áreas urbanas sem relacioná-la à crueldade e aos maus tratos. O ambiente das cidades, por si só, já afronta ás necessidades comportamentais dos equídeos, que gostam de viver em campo e não ao som de buzinas e no caos do trânsito. 

 Em breve síntese, as carroças urbanas são fruto de uma sociedade desigual, pouco inclusiva e que, por isso, mantém práticas que mantém pessoas e animais à margem de seus direitos, já assegurados pela letra das leis. Não há que como defender a lida urbana, de co-working , entre carroceiros e equídeos, como atividade cultural. 

Cultura é engrandecimento, memória, história viva, expressão da grandiosidade do ser humano. Atividade cultural é a forma como essa cultura pode ser expressa, é arte, dança, teatro, feiras, feitura de comidas, literatura, capoeira e todas mais que elevam dado ser ou sociedade para além da sua condição meramente fisico-material. O fato de uma atividade ser antiga, não a dá o merecimento para ser reconhecida como cultural. 

Reconhecer as carroças urbanas como atividade cultural seria legitimar uma prática que é fruto da miséria humana e da crueldade contra animais.  

A carroça, à frente da qual trabalha um ser vivo  é conduzida por outro, ambos em situação deplorável, do ponto de vista da dignidade humana e animal. Tal atividade precisa ser extinta e não aplaudida por títulos honoríficos.  Já é hora das carroças serem substituídas por veículos motores, dos animais serem libertados desse julgo e dos carroceiros  serem inseridos no mercado de trabalho, em condições dignas, que  lhes assegurem saúde, sustento e acesso a atividades verdadeiramente culturais. 

Conheça a Comissão de Proteção à Fauna criada pela Prefeitura de Itabirito

12 de março de 2020|

Ana Liz Bastos
Ana Liz BastosConheça a Comissão de Proteção à Fauna criada pela Prefeitura de Itabirito
Medica Veterinária, Msc, PhD.
Membro do Instituto Técnico de Educação e Controle Animal, conselheira e Presidente da Comissão de Bem-estar Animal (CRMV-MG), assistente Técnica da Coordenadoria Estadual de Defesa da Fauna CEDEF (MPMG).
Autora do livro: Medicina Veterinária do Coletivo: Fundamentos e Práticas

Para viabilizar as ações de combate aos maus-tratos contra animais no município de Itabirito, prefeitura do município criou a “ Comissão de Proteção à Fauna”. A comissão formada por médicos veterinários e biólogos das secretarias da saúde e do meio ambiente, fiscais de meio ambiente e de posturas e guarda municipal.  A população faz a denúncia pelo telefone 153, da Guarda Municipal e os protocolos são encaminhados para a comissão. Os técnicos saem em duplas uma vez por semana para fazer as vistorias em companhia da guarda. Os técnicos utilizam o PPBEA- protocolo de Perícia em Bem-estar animal, proposto pelo LABEA- UFPR para padronizar e orientar suas ações. É dada ao tutor a chance de melhorar as condições as quais os animais estão submetidos, sendo realizada três visitas ao animal, antes de se gerar uma autuação. A comissão atende qualquer espécie animal que esteja sobre suspeita de maus-tratos.

A comissão foi criada em outubro de 2017 e  realizou nesse período, até o final de 2019, em torno de 500 vistorias. A maioria das denúncias foram enquadradas como negligência do tutor, nas quais as irregularidades foram corrigidas na segunda e no máximo na terceira visita da Comissão. Em casos mais severos, os animais (sendo a maioria cães) foram recolhidos para o Centro de Controle Animal, da prefeitura para acolhimento, tratamento, castração e posterior encaminhamento para adoção. Nestes casos, os fiscais de posturas abrem um processo administrativo contra o tutor, baseado no código de postura do município, que prevê multas para casos de maus-tratos contra animais e no qual a multa varia de R$ 1.086,90 a R$ 1.630,35, dependendo da gravidade do caso. Em casos complexos, quando há presença de abuso do animal, presenciado pela comissão, o caso é encaminhado para a Polícia Civil ou Ministério Público do município.

A comissão tem um caráter acima de tudo educativo, visto que a maioria dos casos atendidos são realmente falta de conhecimento sobre a guarda responsável de animais e o tutor geralmente se comporta de forma colaborativa, possibilitando a melhora de vida do animal.

Comissão de Proteção à fauna

Veja aqui o Decreto

Ir ao Topo