Colunista
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Pós-doutor de Direito Animal pela UFBA. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR (Mestrado e Doutorado). Coordenador do Programa de Direito Animal da UFPR. Líder do Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD-UFPR (ZOOPOLIS). Coordenador do Curso de Especialização em Direito Animal da UNINTER/ESMAFE-PR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Juiz Federal em Curitiba.

Vicente de Paula Ataíde Junior[1]

“Quando o homem chega às últimas extremidades, recorre ao mesmo tempo aos últimos recursos. Desgraçados dos seres indefesos que o rodeiam!” (Vitor Hugo, Os Miseráveis)

As evidências científicas continuam a ligar o início do surto de COVID-19[2], doença produzida pelo vírus Sars-Cov-2,[3] ao consumo humano de animais vendidos no wet market da cidade de Wuhan, província de Hubei, centro da China.[4]

O wet market é um mercado de animais vivos, muitos mortos na hora da venda, mantidos em condições geralmente cruéis, insalubres e degradantes. Ainda que possam ser encontrados em outras partes do mundo, são mais frequentes e populares nos países asiáticos.[5]

No wet market de Wuhan, dezenas de espécies da fauna silvestre e domesticada eram disponíveis para comercialização e consumo humano, incluindo cobras, morcegos, raposas, marmotas, tartarugas, gatos civetas, pangolins, além de variados peixes e animais aquáticos, coelhos, porcos e galinhas.[6]

A COVID-19 foi detectada em animais desse mercado e várias pessoas infectadas frequentaram suas instalações.[7] Essas circunstâncias levaram o governo chinês a fechar o estabelecimento[8] e a decretar a proibição de comércio e do consumo de animais silvestres.[9]

Mas, não é a primeira vez que uma pandemia é zoonótica, ou seja, iniciada pela transmissão de animal não-humano para humano, especialmente pelo consumo de produtos de origem animal.

O quadro abaixo é um resumo das principais pandemias[10] registradas no século XXI:

Doença

Vírus

Local de origem

Ano

Animal envolvido

COVID-19 SARS-Cov-2 China 2019 Morcego ou pangolim
Gripe Aviária [11] H7N9 China 2013 Galinhas
MERS [12] MERs-Cov Arábia Saudita 2012 Dromedários
Gripe Suína (Influenza A) [13] H1N1 México/EUA 2009 Porcos
Gripe Aviária [14] H5N1 Ásia 2003 Galinhas
SARS[15] SARS-Cov China 2002 Morcegos/Civetas

Não obstante, muitas das epidemias e pandemias de períodos anteriores também tiveram origem no consumo de animais: o vírus Ebola, por exemplo, originário da África, surgido em 1976, com grave recidiva a partir de 2014, de alta letalidade para humanos, surgiu do consumo de animais infectados por morcegos.[16] A própria AIDS, doença produzida pelo vírus HIV, manifestada em humanos, com maior força e evidência, a partir do início da década de 80, do século XX, surgiu de primatas,[17] caçados e/ou domesticados em países africanos.

Parece evidente que, para além das indispensáveis medidas sanitárias para a contenção da nova pandemia, é absolutamente necessário levar a sério as causas dessas doenças que, tão rapidamente, têm se alastrado pelo mundo, infectando e matando milhares de pessoas, além de abalar economias.

A COVID-19 já era esperada pelos cientistas. A China, pelos seus hábitos alimentares, considerados exóticos pelo consumo de animais silvestres de diversas espécies, era uma bomba relógio, aguardando o tempo certo para explodir.[18] E, enfim, explodiu.

Como as anteriores, essa pandemia vai se dissipar.

Mas, ficaremos a esperar a próxima?

Mantida a atual banalização da exploração cruel de animais silvestres e domésticos, certamente teremos uma próxima catástrofe pandêmica. Talvez mais grave e mais mortífera, talvez menos, mas, inequivocamente, com mais pessoas mortas. Talvez, – e isso não pode ser absolutamente descartado –, um dia enfrentaremos a pandemia responsável pela extinção da espécie humana do planeta.

Temos a opção de mudar esse final, no entanto.

Isso dependerá de um redimensionamento das nossas relações com o meio ambiente e, em especial, com os animais. Revisão de hábitos alimentares, educação para o respeito à natureza e à dignidade animal, positivação de direitos fundamentais animais. A morte e a exploração animal não são necessárias para nossa vida e a nossa saúde.[19] Podemos deixá-los em paz. Essa opção coincide com a primeira: parar com a exploração animal significa evitar a nossa própria destruição.

A China, o epicentro da COVID-19, parece ter adotado uma atitude sensata ao proibir o consumo de carne de animais silvestres. Mas, e os demais países? E o Brasil? Seremos os futuros outbreaks?

Os animais não têm culpa pelas pandemias: culpada é a nossa insistência em explorá-los. Por isso, parece que as condutas veganas e as dietas vegetarianas não são mais apenas questões éticas, mas verdadeiras exigências de saúde pública global.


 

[1] Juiz Federal no Paraná. Professor Adjunto do Departamento de Direito Civil e Processual Civil da Universidade Federal do Paraná. Professor do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Universidade Federal do Paraná. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós-doutor em Direito Animal pela Universidade Federal da Bahia. Coordenador do Programa de Extensão em Direito Animal da Universidade Federal do Paraná. Coordenador e Professor do Curso de Especialização em Direito Animal (EAD), da ESMAFE-PR/UNINTER. Membro da Comissão de Direito Socioambiental da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE). Contatos: Portal e E-mail vicente.junior@ufpr.br

[2] “Desde o início de fevereiro [de 2020], a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a chamar oficialmente a doença causada pelo novo coronavírus de Covid-19. COVID significa COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus), enquanto “19” se refere a 2019, quando os primeiros casos em Wuhan, na China, foram divulgados publicamente pelo governo chinês no final de dezembro. A denominação é importante para evitar casos de xenofobia e preconceito, além de confusões com outras doenças.” (Disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[3] Sigla de Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2, conforme informação da Organização Mundial da Saúde (disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[4] Conforme informações da revista eletrônica Nature Medicine, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[5] Informação disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[6] Para uma visão real do que era o wet market de Wuhan, assista à reportagem do programa 60 minutes Austrália, intitulada World of Pain (“Mundo de Dor”), no qual, além da cobertura sobre as origens do COVID-19 ligadas ao mercado, apresenta uma incursão no interior do estabelecimento, por meio de um jornalista disfarçado (Disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[7] Conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[8] Em 1º de janeiro de 2020, conforme informação da Organização Mundial da Saúde (disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020).

[9] Conforme portal oficial do governo chinês, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[10] Sobre as diferenças entre endemia, epidemia e pandemia, consultar o artigo disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[11] Conforme informações científicas disponíveis aqui. Acesso em: 25 mar. 2020. p. 16-18.

[12] Sigla de Middle East respiratory syndrome coronavirus, conforme informação disponível no Portal da Organização Mundial da Saúde aqui. Acesso em: 25 mar. 2020. As informações sobre a doença também são da Organização Mundial da Saúde, disponíveis em aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[13] Informações obtidas no Portal da Organização Mundial da Saúde, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[14] Conforme informações da FioCruz, disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020. Ver também o artigo científico disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[15] Conforme informações da Organização Mundial da Saúde, disponíveis aqui. Acesso em: 25 mar. 2020.

[16] Informações disponíveis aqui. Acesso em: 26 mar. 2020; e aqui . Acesso em: 26 mar. 2020.

[17] Informação disponível aqui. Acesso em: 26 mar. 2020.

[18] Em artigo científico assinado em 2007, cientistas chineses já alertavam sobre essas possibilidades. Consultar: CHENG, Vincent C. C., LAU, Susanna K. P., WOO, Patrick C. Y., YUEN, Kwok Yung. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus as an Agent of Emerging and Reemerging Infection. Clinical Microbiology Reviews, DOI:10.1128/CMR.00023-07, v. 20, n. 4, p. 660-694, out. 2007, disponível aqui. Acesso em: 17 mar. 2020.

[19] A propósito da adequação nutricional das dietas estritamente vegetarianas, inclusive para crianças, consultar aqui. Acesso em: 26 mar. 2020; E aqui. Acesso em: 26 mar. 2020.

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