Colunistas2024-02-06T20:16:08-03:00

Mercado Solidário Pet

22 de outubro de 2019|

Lara Rocha Batista
Lara Rocha Batista
Lara Rocha Batista é médica veterinária formada pela Universidade de Uberaba e doutora em Medicina Tropical e Infectologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
É servidora efetiva da Prefeitura Municipal de Uberaba desde 2015 e atualmente responde pelo Departamento de Controle de Zoonoses e Endemias. Coordena o Programa de Manejo Populacional de Cães e Gatos do município, além de conduzir outros projetos concomitantemente voltados para a população animal.

Mobilizar a sociedade e criar uma rede solidária que promova o bem-estar e a melhoria das condições de vida dos animais domésticos em situação de abandono. Esta é a proposta do projeto Mercado Solidário Pet, uma iniciativa da Prefeitura de Uberaba, com o apoio do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que convida pessoas e instituições a fazerem doações de produtos veterinários para atendimento aos animais de famílias de baixa renda e animais comunitários.

Os animais domésticos, em especial os pets (cães e gatos), ganharam um importante espaço nas famílias nas últimas décadas. Atualmente, é possível se observar diversas classes desses animais, caracterizados conforme sua forma de vida. Há os animais domiciliados, os quais convivem intimamente com seus tutores, com restrição de circulação, acesso a água e alimento, e acompanhamento veterinário. Há animais que, apesar de terem um domicílio e tutores, passam o dia nas ruas e retornam ao fim da tarde.

Uma nova classe de animais, no entanto, é constituída por aqueles chamados animais comunitários que, apesar de não terem um domicílio fixo, há pessoas responsáveis por alimentá-los nas ruas. E por último, existem os animais abandonados em situação de rua, os quais permanecem sem assistência por parte ou por toda a vida.

De acordo com estimativas do Departamento de Controle de Zoonoses e Endemias, o município de Uberaba tem uma população canina em torno de 63mil cães e felina de 20 mil gatos. Devido a vários fatores, houve um crescimento desgovernado da população animal, com diversos prejuízos tanto para as pessoas quanto para os próprios animais, sendo o mais preocupante o aumento massivo da ocorrência de abandono.

Em Uberaba existem ONGs e uma rede de proteção animal bastante atuantes, que promovem campanhas diversas para reduzir o índice de abandonos e melhorar as condições de vida e o bem estar animal. No entanto, o número de animais que necessitam de assistência está muito acima da capacidade de atendimento desta rede.

Para promover uma mudança desse cenário, em atendimento às solicitações das ONGs e protetores de animais, o município de Uberaba lançou um projeto prioritário de Fortalecimento das Políticas Públicas de Controle, Cuidado e Bem Estar dos Animais de Pequeno Porte, por meio do qual são realizadas ações educativas, identificação e registro dos animais, esterilização em massa, eventos de divulgação, projetos nas escolas e criação de leis.

O programa tem caráter permanente e as ações são desenvolvidas em parceria com o Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Uberaba e com o Hospital Veterinário de Uberaba, sendo acompanhado pelo Ministério Público de Minas Gerais e pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais.

O Mercado Solidário Pet foi criado para complementar o projeto de melhoria das condições de vida dos animais. O primeiro passo foi o lançamento da campanha de arrecadação em um evento, cujo tema foi “Dia da Saúde Animal”, realizado com apoio da Secretaria Municipal de Saúde e do Shopping Uberaba.

No momento, as doações estão sendo recebidas no Departamento de Controle de Zoonoses e Endemias de Uberaba, até que seja inaugurada a sede própria do Mercado Solidário Pet, com localização central, para o fácil acesso de toda população. Podem ser doados produtos farmacêuticos, alimentares, utensílios e acessórios, produtos de higiene, dentre outros. O projeto recebeu aporte inicial de 20 mil reais do MPMG. Empresas veterinárias que tenham interesse também podem realizar doações.

Com o Mercado Solidário Pet, esperamos que haja uma mobilização social que promova não só maior acesso aos produtos veterinários, mas também leve ao envolvimento de toda a população, quebrando paradigmas e criando uma nova consciência coletiva em relação à guarda responsável dos animais. Isso refletirá na redução do abandono e da população de animais errantes, inibindo os maus tratos e melhorando, consequentemente, o bem estar dos animais de nossa comunidade.

LARA ROCHA BATISTA

Médica Veterinária

Departamento de Controle de Zoonoses e Endemias

Bem-estar animal e controle populacional de cães e gatos em área urbana

28 de março de 2019|

Fernanda Pinheiro Lima
Fernanda Pinheiro Lima
Médica Veterinária pela Universidade Federal de Lavras (2004), mestrado em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal de Lavras (2006). Atua na área de Medicina Veterinária do Coletivo: atuou como Coordenadora do Departamento de Vigilância Sanitária no período de 2005 a 2011. Atualmente é Responsável Técnica e coordenadora do Centro de Defesa à Vida Animal (CODEVIDA), órgão ligado à Secretaria Municipal de Gestão Ambiental da Prefeitura Municipal de Formiga; docente do Centro Universitário de Formiga na qual ministra as disciplinas de Bem-estar animal e membro do Comitê de Ética no Uso de Animal do UNIFOR-MG;

O crescente número de cães e gatos abandonados é uma importante preocupação para as autoridades de Saúde pública e bem-estar animal em âmbito mundial em virtude, dentre outros, da eventualidade de transmissão de algumas zoonoses, acidentes com motociclistas, incidentes por mordeduras e transtornos à ordem urbanística como ruídos e extravasamento de lixos em vias públicas.

Cães de rua podem ter uma série de problemas que afetam o seu bem-estar, incluindo: fome, desnutrição, doenças, ferimentos devido a acidentes de trânsito, ferimentos por brigas e maus tratos, contrariando as cinco liberdades do animal (sanitária, nutricional, psicológica, ambiental e comportamental).

Em virtude disso, em Formiga – MG foi criado um órgão municipal ligado à Secretaria Municipal de Gestão Ambiental, denominado Centro de Defesa à Vida Animal (CODEVIDA), cabendo-lhe, dentre outras atribuições, desenvolver campanhas e programas de informação e orientações técnicas e conscientização da população sobre guarda responsável de animais.

A criação do órgão municipal se deu após a formalização de um termo de ajustamento de conduta entre a Administração Municipal e o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Formiga – MG, no qual a Prefeitura Municipal se comprometeu a implantar uma política de proteção e controle populacional de animais.

O CODEVIDA é regulamentado pela Lei Municipal nº 4595 de 10 de fevereiro de 2012 possui os seguintes objetivos: preservar a saúde da população, mediante o emprego dos conhecimentos especializados em Medicina Veterinária do Coletivo, fiscalizar ações e/ou atos de maus tratos contra animais com o apoio da Polícia Militar de Meio Ambiente e, sobretudo prevenir, reduzir e eliminar as causas de sofrimento dos animais.

Os trabalhos desenvolvidos no CODEVIDA são bastante diversificados e incluem doação de animais por meio de termo de adoção responsável, notificações de animais soltos em vias públicas, atendimento de denúncias de maus tratos, realização de exames de leishmaniose visceral canina, recolhimento seletivo de animais doentes para cuidados necessários e prestação de serviços de esterilização cirúrgica de cães e gatos, machos e fêmeas, com técnicas minimamente invasivas.

Para melhor desenvolvimento desta política pública de Manejo de Fauna Doméstica, a Administração Pública Municipal firmou parcerias com outros órgãos públicos, com entidades e associações da sociedade civil, formando redes de cooperação, no controle e proteção dos animais que vivem soltos nas ruas e praças do município.

Nesse contexto, a Administração Pública Municipal, por meio do CODEVIDA, conta com a parceria da Associação Protetora dos Animais de Formiga – APAF, Associação Regional de Proteção Ambiental II – ARPA II, Centro Universitário de Formiga – UNIFOR-MG, Ministério Público de Minas Gerais e Polícia Militar de Meio Ambiente.

Os Cães e gatos encontrados soltos em vias públicas que apresentam algum comprometimento de seu estado de saúde são apreendidos pela equipe do CODEVIDA. Estes animais passarão por uma avaliação clínica por Médico Veterinário serão encaminhados para tratamento na própria sede do órgão quando tratar-se de procedimentos de baixa complexidade, ou na clínica veterinária do UNIFORMG ou em clínicas veterinárias indicadas pela APAF. No ato da entrada, o animal passa ainda por exame de Leishmaniose com o teste de triagem com o kit diagnóstico DPP, fornecido pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. Caso reagente, será encaminhado soro, como espécime clínico, para a Fundação Ezequiel Dias (FUNED) para confirmação, conforme protocolo oficial do Ministério da Saúde.

Os animais apreendidos poderão ter a seguinte destinação: serem soltos no seu local de recolhimento, após recuperação clínica; ser adotado, mediante termo de responsabilidade devidamente assinado; morrerem durante tratamento; serem eutanasiados por apresentarem resultado reagente para Leishmaniose Visceral Canina em exame comprovado pela FUNED ou quando não houver resposta ao tratamento indicado e/ou quando o seu bem-estar estiver comprometido de forma irreversível, sendo um meio de eliminar a dor ou o sofrimento do animal.

Outra ação promovida pelo CODEVIDA é o controle de reprodutivo, que é uma das formas de evitar que animais procriem de forma descontrolada e que (principalmente filhotes) sejam abandonados diariamente nas ruas. Em sete anos, foram esterilizados 2434 animais conforme especificado na tabela 1 a seguir.

Tabela 1. Número de animais (Canis familiaris e Felis catus) esterilizados por espécie, sexo no período de 2012 a 2018.

De 2012 a 2018 foram resgatados 1468 animais, entre cães e gatos, em situação de rua com algum problema de saúde. Destes, 272 animais foram adotados (18,5%), 357 foram soltos em seu local de captura (24,3%); 211 vieram à óbito durante tratamento; foram realizadas 490 eutanásias (33,4%) e 138 animais tiveram a seguinte destinação: foram resgatados pelos tutores, fugiram, nas fichas não constam informação e alguns residem no CODEVIDA por apresentarem sequelas decorrentes do tratamento. O gráfico 1 apresenta o destino dos animais recolhidos na ruas de Formiga – MG de 2012 à 2018.

Gráfico 1. Distribuição dos cães recolhidos pelo CODEVIA, de acordo com o destino, em Formiga – MG no período de 2012 à 2018.

Vale destacar que atualmente residem seis cães no CODEVIDA que não são aptos a viverem novamente nas vias públicas em decorrência de sequelas de tratamento. No local há uma cadela cega, dois que sofreram amputação de um de seus membros, dois que sofrerem de claudicação severa e outra que além da claudicação severa apresenta transtornos mentais. A seguir fotos destes animais que vivem soltos no entorno do prédio.

Foto 1. Esta é JUDITE, descansando na recepção do CODEVIDA. Ela foi resgatada em 27/08/2013. Ela fora atropelada, ficou três meses com paralisia dos membros posteriores e voltou a andar, com o jeito que só ela sabe: rebolando. Hoje ela tem 5 anos e meio de CODEVIDA, mais na verdade ela já deve ter por volta dos seus 10 aninhos. Ela é cardiopata, toma remédio diariamente para controlar suas arritmiais cardíacas e já se encontra sem dentes. JUJU, como nós costumamos chama-la é sem dúvidas nossa mascote, por ser a mais idosa.

Foto 2. CAÇAMBA, amiga fiel de Judite deu entrada no CODEVIDA em 22/08/2013 e deve ter por volta de seis anos de idade. As duas são inseparáveis. Caçamba com suas três patinhas vive escavando buracos no talude que há no entorno do prédio.

Foto 3. MOCINHA, também passou por uma amputação de membro anterior esquerdo. Uma verdadeira guerreira, chegou em agosto de 2018, muito magra e com fratura exposta. Hoje ela se esbalda com ração, água e um ambiente livre para expressar seu comportamento natural.

Foto 4. UPA: deficiente visual, chegou em maio de 2018, e está próximo de fazer data de aniversário aqui. No início, sua adaptação ao ambiente livre foi um pouco difícil para ela, que adora ir nos recepcionar no carro, ela sempre batia a cabeça na porta. Hoje ela anda aqui, como se enxergasse normalmente.


Fotos 5 e 6. Esta é NINA. A superação dela foi extrema: primeiro uma protetora cuidou do quadro de cinomose que ela teve. Ela veio para o CODEVIDA devido ao quadro de paralisia nos membros posteriores (foto 5) como sequela desta virose e com um quadro recorrente de infecção urinária, por ficar sentada o tempo todo. Para fazer as necessidades fisiológicas, tínhamos que levantá-la. Fizemos uma cadeirinha de rodas, mas a forma ficou grande, mas todos os dias a estimulávamos a ficar de pé. Hoje ela voltou a andar com um jeito peculiar e percebemos que ela é nossa doidinha: vive atrás do pedreiro Jorge que está construindo um solário para melhoria das condições de bem-estar dos animais. Ela fica tentando comer poeira das pás de areia e cimento e mastiga pedras. Jorge costuma carregá-la no seu carrinho de mão e os dois é uma cumplicidade só. Passa o dia todo juntos.


Foto 7. Esta é a porta de entrada da área administrativa do CODEVIDA. Onde nossos amiguinhos especiais e com necessidades mais especiais ainda passam seus dias.

O controle de animais de estimação depende da atuação direta de órgãos governamentais, instituições públicas, entidades de proteção animal e, sobretudo dos tutores, pois quando estes assumem todos os deveres centrados nas necessidades físicas, psicológicas e ambientais de seu animal, não ocorre o abandono.

Nestes sete anos, foi possível observar ainda que muitas pessoas que procuram o serviço do CODEVIDA não tem nenhum conhecimento sobre guarda responsável de animais. Estes usuários ficam extremamente irritados quando informamos que não podemos acolher o animal de estimação indesejado, e que ele é o único responsável e é quem tem que dar um destino para o mesmo, seja por meio de doação, caso de animal saudável ou que o encaminhe o para tratamento ou eutanásia, caso a situação exigir.

As pessoas querem transferir a sua responsabilidade de guardião para o poder público e é isto que desencadeia os agravos ocasionados pelos animais de rua. A falta de planejamento orientada sob os princípios da guarda responsável acarreta vários fatores, dentre eles a compra impulsiva de animais, estimulada por comerciantes que os expõe como mercadorias, essa relação de consumo, muitas vezes, não desperta o vínculo afetivo, fazendo com que as pessoas acabem descartando seus animais de estimação, por se tornarem desinteressantes após a empolgação inicial.

É certo que o bom êxito dessa política de controle populacional da fauna doméstica deve-se ao trabalho em parceira de órgãos públicos, sociedade civil organizada e terceiro setor. Realizamos as atividades de controle populacional da fauna doméstica no município de Formiga – MG, mas sabemos que muito há o que se fazer para conseguirmos nossos objetivos de promover o controle populacional canino por meio de medidas que visam o respeito e que zelem pelo bem-estar animal.

Canil não é lugar para cachorro, mas tampouco tem que ser ruim.

7 de junho de 2018|

Miriam Neder de Assis Falce
Miriam Neder de Assis Falce
Administradora, Gerente do Departamento de Controle Animal/DEMLURB, em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Alex Fernandes Santiago
Alex Fernandes Santiago
Promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, Patrimônio Histórico e Cultural de Juiz de Fora, Minas Gerais. Mestre em Direito Penal – orientação Direito Penal Econômico e Societário – e especialista em Direito Ambiental, ambos pela UBA – Universidad de Buenos Aires. Autor do livro Fundamentos de Direito Penal Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2015.

“Canil não é lugar para cachorro.” (Miriam Neder de Assis Falce – Gerente do Departamento de Controle Animal do Município de Juiz de Fora, durante o Encontro Regional do Ministério Público em Juiz de Fora, 18 de agosto de 2017)

De fato, canil não é lugar para cachorro. Esses animais que tanto nos ensinam não merecem ficar confinados em baias, submetidos ao estresse constante, institucionalizados, vivendo presos à espera do fim. Não se quer isso para qualquer animal.

Contudo, existe uma realidade para a qual não podemos fechar os olhos.

Os grandes municípios brasileiros necessitam dos canis, não como um destino final dos animais abandonados, mas como um local em que o cão de rua, abandonado e muitas das vezes debilitado, receberá tratamento médico adequado, alimentação e cuidados, para, recompondo sua saúde, ser finalmente destinado a um lar onde possa ser acolhido para dar e receber carinho, nesta matemática desigual em que os humanos sempre levam imensa vantagem.

A situação de Juiz de Fora não é diferente de qualquer município de maior porte brasileiro. Centenas de cães e gatos são abandonados; procriando intensamente, enfrentam inúmeros riscos nas ruas, e não poderíamos deixá-los à mercê da sorte, sujeitos às agressões da vida nas ruas e a infortúnios como atropelamentos.

Quando o Departamento de Controle Animal da Prefeitura de Juiz de Fora foi criado, dentro da estrutura do DEMLURB ((Departamento Municipal de Limpeza Urbana) em março de 2016, já havia um abrigo contando com quase 600 (seiscentos) cães. Apesar de canil não ser um lugar para cachorro, soltá-los nas ruas não era uma opção.

Diante deste quadro, várias frentes de trabalho foram adotadas para melhorar a situação do canil local.

A primeira medida foi óbvia, porém pouco verificada no cotidiano da Administração Pública: identificar quais funcionários realmente gostavam de animais, permitindo que apenas aqueles verdadeiramente vocacionados trabalhassem diretamente com os cães. Os demais foram remanejados. Hoje podemos dizer que o abrigo de animais de Juiz de Fora conta com um quadro de servidores realmente vocacionados para a proteção animal.

Prosseguindo na melhoria do canil, ocorreram as seguintes realizações, sempre visando ao bem-estar dos animais abrigados: a) reforma das baias, que passaram a ser lavadas duas vezes ao dia, visando a conferir a melhor condição de higiene possível ao animal; b) construção de comedouros de alvenaria, evitando o desperdício de ração; c) alimentação dos animais duas vezes ao dia; d) imunização de todos os animais com as vacinas óctupla e antirrábica.

Pensa-se muito em cães, mas também temos, como qualquer cidade, gatos de rua. E merecem toda nossa atenção. Nesse sentido, foram construídos quatro gatis, com capacidade para cem gatos, pois repetíamos até então o quadro da maioria dos municípios brasileiros: não tínhamos como tratar e abrigar os felinos. Muitos são abandonados no portão do canil, muito pequenos e ainda precisando de amamentação. Hoje temos como responder a estes maus tratos.

E a família animal não para por aí. Também são recolhidos cavalos e bovinos soltos em vias públicas. Estes animais, ao chegarem ao “Canil” Municipal, recebem um chip de identificação, vermífugo e carrapaticida, permanecendo à espera do proprietário por dez dias. O responsável deverá comprovar a posse dos mesmos, pagar as taxas e retirar o animal. Após este período, eles são disponibilizados para adoção e o processo é o mesmo dos cães e gatos. O candidato passa por uma entrevista e precisa comprovar posse de terras suficientes para abrigá-los e alimentá-los. Eles não poderão ser comercializados, usados como reprodutores ou em carroças.

Hoje, de sarna à cirurgias ortopédicas, consegue-se tratar qualquer problema de saúde nos animais abrigados. Os recursos ainda são poucos mas, com muita boa vontade, criatividade e a ajuda de muita gente, estamos conseguindo tratá-los com dignidade. A eutanásia só é aplicada quando indicada pelos veterinários. O abrigo municipal de animais conta com o apoio de três clínicas conveniadas, contratadas através de chamada pública, que recebem os resgatados a qualquer hora. O Canil mantém um plantão 24 horas para resgate de animais atropelados que são levados diretamente para as clínicas. Os animais que precisam de tratamentos apenas ambulatoriais são tratados no canil, onde temos dois veterinários, um ambulatório bem equipado e uma sala de recuperação. Também há convênio com a Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Juiz que, através de encaminhamento, está atendendo animais da população em condição de vulnerabilidade socioeconômica.

Depois de tratados e curados, os animais são disponibilizados para adoção através das visitas ao canil, que acontecem de segunda à sexta e dos eventos de adoção que são realizados aos fins de semana. Além disso, há o serviço de Disque Adoção e páginas em redes sociais exclusivas para aproximar os animais abrigados de um lar, onde ele possa ser feliz e cuidado. Talvez esta seja a parte mais importante do trabalho pois, não faz sentido salvar um animal do abandono e condená-lo a passar a vida num abrigo. Lugar de cachorro e gato é dentro de uma casa, dentro do nosso abraço. O Canil Municipal de Juiz de Fora abriga, em maio de 2018, 483 cães, 79 gatos e 5 cavalos.

O caminho para a diminuição do abandono é a castração, aliada às campanhas educativas. Por isso, o Município de Juiz de Fora vem investindo nestas duas frentes. De janeiro de 2013 a abril de 2018, a Prefeitura de Juiz de Fora castrou no “castramóvel” e nas clínicas conveniadas, 21.000 animais entre cães, cadelas, gatos e gatas. São realizadas visitas a escolas, associações de bairros, faculdades, igrejas e unidades de saúde em busca de parceiros para as campanhas. A receptividade é muito boa e ocorrem pequenos cursos que formam multiplicadores, além da construção de materiais informativos e cartilhas educativas. Cabe ressaltar a participação efetiva de voluntários, de todas as idades, nos eventos promovidos pelo Departamento.

A excelência dos trabalhos desenvolvidos pelo Departamento de Controle Animal de Juiz de Fora motivou o Ministério Público em 2017, pela 8ª Promotoria de Justiça da Comarca de Juiz de Fora, a destinar recursos oriundos de compromissos de ajustamentos de conduta e transações penais ao DEMLURB, a fim de possibilitar mais melhorias no abrigo municipal de animais. E já vem rendendo frutos: com essas verbas já foi possível construir os corredores de acesso ao “parcão” do canil municipal, possibilitando que os cães possam sair das baias para brincar e se exercitar, o que o fazem com palpável alegria. Além de aliviar o estresse causado pelo confinamento, os exercícios contribuem muito para a melhoria da saúde dos animais. Além dos corredores, as verbas destinadas pelo Ministério Público ao DEMLURB já permitiram a aquisição de vários equipamentos para o serviço diário, como caixas de transportes, chips de identificação e medicamentos. As próximas aquisições pretendidas com essas verbas serão uma nova máquina de tosa e materiais de pintura para deixar o ambiente mais atrativo para o público, visto que cresce o número de visitas, inclusive, de alunos de escolas públicas e particulares. E também, com esses recursos, custear parte da obra da estação de tratamento do esgoto gerado pelo canil – porque animal também polui…

Ainda faltam muitas coisas e há uma longa estrada a ser percorrida mas, olhando para trás e vendo como era tudo e o que já foi feito, confiamos estar no caminho certo. E a parceria entre o Ministério Público e o DEMLURB continua.


Autores:

Miriam Neder de Assis Falce – Administradora, Gerente do Departamento de Controle Animal/DEMLURB, em Juiz de Fora, Minas Gerais.

Alex Fernandes Santiago – Promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, Patrimônio Histórico e Cultural de Juiz de Fora, Minas Gerais. Mestre em Direito Penal – orientação Direito Penal Econômico e Societário – e especialista em Direito Ambiental, ambos pela UBA – Universidad de Buenos Aires. Autor do livro Fundamentos de Direito Penal Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2015.

Canil Municipal de Juiz de Fora

Animais em tratamento

Campanhas educativas e eventos de adoção

Manuel Inácio da Silva Alvarenga e sua utopia: a República do Tagoahy

4 de maio de 2018|

 Luciano J. Alvarenga
Luciano J. Alvarenga
Mestre e doutorando em Ciências Naturais pela Ufop; Bacharel em Direito pela UFMG; assessor no MPMG

Luciano J. Alvarenga

Foi durante o século XIX, conta a cientista política Heloisa Maria Murgel Starling, que a mais antiga tradição do pensamento social e político brasileiro, o republicanismo, passou a incluir em sua pauta de discussão a temática da reforma agrária. Antes, contudo, esse ideário já havia tomado a forma de uma utopia na poesia de um mineiro com particular sensibilidade sociopolítica, Manuel Inácio da Silva Alvarenga.

Silva Alvarenga foi um poeta importante na formação de uma sensibilidade literária propriamente brasileira. De acordo com Heloisa Starling: “Sua poesia foi provavelmente a primeira, na América portuguesa, a misturar ao bucolismo da Arcádia o brilho da paisagem tropical manchada de cores, e a deixar de lado os pastores de carneiros e ovelhas para preocupar-se com a fauna do Brasil – atravessam seus versos, por exemplo, cobras, onças de variada espécie, morcegos e muitos beija-flores”.

E o poeta mineiro também sonhou um projeto político e social… Esse projeto previa a criação da República do Tagoahy, uma comunidade rural onde homens e bichos convivem harmonicamente, onde a verdade mora na natureza, a miséria não é de ordem fatal, os corações permanecem puros e límpidos e onde o contato com a vida pulsante na Terra protege os habitantes da angústia de viver.

Silva Alvarenga levou esse projeto a sério. Conta-se que, repetidas vezes, pensou em abandonar o Rio de Janeiro, embrenhar-se no sertão e requerer uma sesmaria “nas cabeceiras ou no sertão do Rio Itaguaí”. Vem do leito desse rio, a propósito, a inspiração para o nome “Tagoahy”. No vocabulário Tupi, a expressão deriva da articulação de dois termos: tagoa, que quer dizer “amarelo”, e hy, “água”. Na sociedade imaginada por Silva Alvarenga, era “melhor viver entre os bichos do que entre os homens maus”.

Lamentavelmente, o poeta mineiro não conseguiu concretizar a requisição de uma sesmaria. Sua república “permaneceu para sempre um lugar não destinado, uma espécie de não lugar – u-topos”. Mas é certo também, complementaria Heloisa Starling, “que seu modelo de comunidade indexou, pela primeira vez, na América portuguesa, à ideia de república o ideal de uma vida ligada a uma terra desfrutada por todos”.

______

Citações: STARLING, Heloisa Maria Murgel. Utopia e sentimento de República. Jornal Estado de Minas, Caderno Pensar, Dossiê Reforma Agrária. Belo Horizonte: 09 jan. 2010.

Ir ao Topo