Samylla Mól
Samylla Mól
Mestra em Direito Ambiental. Advogada. Historiadora
Consultora em Direito Animal
Membro do Instituto Abolicionista Animal
Membro da Associação Latino Americana de Direito Animal
Professora, escritora e membro da Academia Marianense de Letras

Embora cruéis com animais e, por isso, vedadas pelo Constituição Federal, as rinhas de galos ainda são uma prática comum no Brasil. Os galos explorados na atividade passam por condicionamentos físico e emocional que configuram maus tratos e são, portanto, considerados crimes.

Ocorre que, quando são feitas apreensões desses animais vem à tona o problema da destinação deles. Para onde levar galos treinados para brigar? Como transportá-los sem que eles se digladiem no caminho? Isso é, de fato, um problema para a autoridade que promover a apreensão.

Por outro lado, insta salientar que a Constituição Federal atribui ao Poder Público o dever de tutelar os animais e a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98) cuidou de detalhar como deve ser feita a destinação deles, quando apreendidos.

Neste sentido, o art. 25 da Lei 9605/98 determina que constatados os maus tratos, em se tratando de animais domésticos, cumpre a autoridade que lavrar o Auto de Infração e/ou Boletim de Ocorrência, apreendê-los e encaminhá-los para instituições que os acolham e tratem. O parágrafo segundo do dispositivo assegura, também, que no interregno entre a apreensão e a destinação às essas instituições , cumprirá ao órgão autuante zelar pelo adequado acondicionamento, transporte e bem-estar dos animais.

Entretanto, a hermenêutica do art.25 da Lei 9605/98 foi, por vezes, incompreendida na prática dos julgamentos cotidianos e, diante da existência de decisões judiciais que autorizaram o abate de galos apreendidos e não a destinação definida em lei , o STF foi chamado a se pronunciar, em sede de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 640).

Dentre as decisões que embasaram a propositura de tal ADPF, está a proferida na Comarca de Magalhães, na Bahia, em cujo bojo o Juiz de Direito acata o pedido do Ministério Público para abater 90 (noventa) galos apreendidos em situação de maus tratos. Ao acatar o pedido do parquet, o juiz afirma que a destinação dos animais às entidades de proteção aos animais restou inviabilizada pelo fato deles serem agressivos uns com os outros.

Outra decisão emblemática, analisada na ADPF foi a proferida pela juíza da Comarca de Patrocínio, em Minas Gerais. No bojo do processo, o Promotor de Justiça requereu autorização para “abate de descarte” dos animais quando o consumo humano dos mesmos não fosse recomendado por médico veterinário. A juíza acatou esse pedido da promotoria.

Em decisão proferida em 10 de setembro de 2021, o relator, Ministro Gilmar Mendes, analisou as decisões acima mencionadas e o pedido feito na ADPF ,teceu uma série de considerações acerca da proteção jurídica aos animais no Brasil, da consciência e sensibilidade deles e acatou o pedido para declarar a ilegitimidade das interpretações dos arts. 25, parágrafos 1 e 2 da Lei 9605/98 que autorizem o abate de animais apreendidos em situação de maus tratos.

O ministro foi enfático ao argumentar que não justifica tutelar os galos contra os maus tratos que lhes são impingidos pelos seus criadores e pelos provedores de rinhas para, em seguida, decretar-lhes a morte. Com essa decisão, pode-se afirmar que o STF reconheceu o Direito à Vida dos galos apreendidos em situação de rinha e maus tratos.

Desta feita, uma vez apreendidos, os galos explorados para rinha passam a ter reconhecido direito à sobrevida digna, não podendo serem destinados para o abate, cumprindo ao Poder Público assegurar esse direito.

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O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente a da CEDEF.