A ONG Olhar Animal deu andamento à Ação Civil Pública que move contra o IBAMA na Justiça Federal de SP, buscando a invalidação das Instruções Normativas (IN) nº 3, de 31 de janeiro de 2013 e a de nº 12, de 25 de março 2019 publicadas pelo órgão que regulamentam a caça aos javalis e javaporcos. Nesta última sexta-feira, dia 5 de junho, a entidade protocolou sua réplica à manifestação da instituição federal reiterando os argumentos contra a caça já expostos na petição inicial e acrescentando informações. A ONG destaca que, além de não ser um método justificável do ponto de vista ético, é um erro crasso como método de controle populacional por ser absolutamente INEFICAZ e CRUEL, aspectos que definem sua ilegalidade e inconstitucionalidade. A organização denuncia também o flagrante desvio de finalidade, que vem transformando a caça em uma atividade recreativa.
Mas, pior que esta falta de efetividade, explica a ONG, a atividade de caça têm resultado no AUMENTO da população dos javalis, agravando a situação. Isto por conta, de um lado, do espraiamento dos animais pelo território brasileiro, em fuga da predação humana e, de outro, pelo desvio de finalidade, ao ser usada para fomentar a lucrativa indústria da caça “esportiva”, que faz com que caçadores soltem javalis em áreas onde eles não existiam. A descontinuidade das áreas onde estes animais são encontrados no país atesta a criminosa ação de soltura pelos caçadores (veja ilustração abaixo). Para que possam aumentar o “desafio” e “diversão”, caçadores comumente poupam os filhotes para que estes possam crescer e se tornar “troféus mais dignos”.
A caça é lucrativa não só para os organizadores das caçadas, mas também para a indústria de armas. A caça aos javalis é um prelúdio para a ampliação da atividade, uma preparação para a liberação total da caça no Brasil, como indica o advogado da ONG, Mario Luiz Augelli Barreiros, nos documentos encaminhados à Justiça e como comprovam várias iniciativas legislativas.
Método tecnicamente equivocado e cruel
Em sua argumentação, a organização animalista mostra que a caça só foi efetiva para o controle populacional em áreas com delimitação geográfica intransponível, como ilhas, bem como onde limites climáticos impediram a migração dos javalis, como ocorrido no sul da Suécia, onde o frio ao norte e o mar contornando restante da região habitável pela espécie impossibilitaram que os animais se espalhassem. No mais, nunca houve êxito no controle destes animais pelo abate, como aponta o biólogo Sérgio Greif em parecer técnico juntado ao processo. A Nota Técnica nº 65/2018/COFIS/CGFIS/DIPRO, do próprio Ibama, indica que “não há caça sem maus-tratos”. Outros documentos apontam para a falta de efetividade da caça em um país continental como Brasil, com clima ameno e ampla oferta de alimento para os animais desta espécie.
Matança indiscriminada
Um dos efeitos da liberação da caça aos javalis é o abate de animais de outras espécies por caçadores que se aproveitam da licença concedida. São queixadas, catetos, onças-pintadas, tatus, etc. A ONG Olhar Animal mostra nos autos do processo que o Ibama nunca teve e não tem controle efetivo sobre que animais vêm sendo caçados, como indica Nota Técnica do próprio órgão. A morte de animais silvestres ocorre também porque são atacados pelos cães, que não discriminam seu alvo. Até a chegada do caçadores, o animal atacado já está seriamente ferido ou mesmo morto.
Caçadores afirmam que não há como confundir os javalis com outros animais semelhantes, como os catetos e as quase extintas queixadas. Porém, não é incomum que os próprios caçadores sejam vítimas de “fogo amigo”, confundidos com os animais caçados, como ocorreu em Ribeirão do Pinhal (PR, onde recentemente um caçador foi morto por um companheiro de caçada.
Uso de cães
A ONG mostra que o uso de cães na caça a torna mais cruel ainda, provocando terror aos javalis e outros animais dilacerados pelos dentes dos cães, estes últimos também vítimas comumente fatais destes embates. A resolução nº 1236 do Conselho Federal de Medicina Veterinária, de 26 de outubro de 2018, citada na réplica, define como maus-tratos a ação de “estimular, manter, criar, incentivar, utilizar animais da mesma espécie ou de espécies diferentes em lutas“. A liberação do uso de cães, bem como de armas brancas para o abate dos javalis são tema da IN de 2019, editada já sob a gestão do ministro Ricardo Salles e considerada estimuladora de perversidades pelos ativistas.
Experiência ignorada
A ONG Olhar Animal posiciona-se totalmente favorável ao controle populacional, porém de forma frontalmente contrária ao abate como método. E usa como exemplo a ação do ICMBio, órgão também ligado ao Ministério do Meio Ambiente, no controle da população de gatos domésticos na principal ilha do arquipélago de Fernando de Noronha. Mesmo com condições muito mais favoráveis para o controle, como o fato de ser uma área insular e de os gatos não serem onívoros como os javalis, o que lhes restringe as fontes de alimentos, o ICMBio fracassou na tentativa de controlar a população dos felinos por meio do abate e acabou por solicitar auxílio de ONGs de proteção animal para o controle reprodutivo via castração pelo método C.E.D. (captura, esterilização, devolução).
Pandemias
Outro argumento elencado pela ONG foi o de que os caçadores em perseguição à caça violam ecossistemas, levando para estes vírus e bactérias antes ali inexistentes, o que acaba por vitimar os animais nativos. Os matadores também oportunizam a passagem de vírus e bactérias de animais para os seres humanos (inclusive pelo consumo de sua carne), posteriormente trazendo estes agente infecciosos para as áreas mais habitadas. Este é o caminho pelo qual se estabelecem as condições para surgimento das doenças que assolam o mundo, inclusive da atualíssima pandemia provocada pelo covid-19. Um dos argumentos dos caçadores em favor da caça é a de que javalis desequilibram ecossistemas, mas os próprios caçadores também são grandes responsáveis por isso.
Sentimentalismo x tecnicidade
Em sua manifestação, o Ibama afirmou que o posicionamento da ONG contra a caça aos animais se deve a uma “postura pessoal e sentimental”. A entidade rebateu afirmando que o Ibama critica a atuação da ONG a partir da anacrônica e preconceituosa visão de que não há tecnicidade nos argumentos em defesa dos animais. Diz a associação protetiva que, de início, o órgão federal menospreza “um importantíssimo valor na construção da civilidade e na formação moral da sociedade, que é a “compaixão”, para em seguida desprezar “o importante trabalho técnico de veterinários, biólogos, ativistas, juristas, etc. em torno do tema animal”. A Olhar Animal indicou ainda que o Ibama, ao fazer tal afirmação, mostra que desconhece a existência há décadas do debate teórico no campo da Ética (e portanto bastante fundado na razão) que se desenvolve nas universidades e em publicações especializadas, sendo objeto de pesquisa de mestres e doutores. Os ativistas finalizam afirmando que o que o Ibama chama de “sentimentalismo”, a ONG e o movimento protetivo definem como “civilidade”.
“A legislação vigente lamentavelmente reflete a mentalidade especista expressada pelo Ibama e que é predominante na gestão das políticas públicas ambientais. Para buscar melhoras na condição dos animais, temos que recorrer a ferramentas jurídicas majoritariamente especistas, pois é o que há disponível. Sem recorrer a elas, praticamente não haveria ativismo judicial. A atuação do movimento de defesa dos animais junto às casas legislativas é fundamental para mudar este panorama”, dizem os defensores dos animais.
Andamento
A ação protocolada em outubro de 2019, teve o pedido de liminar negado. A ONG recorreu por meio de um agravo de instrumento e no momento aguarda a decisão colegiada sobre a concessão da liminar que poderá suspender a caça aos javalis no Brasil.
Paralelamente, o Ibama se manifestou no processo contra a invalidação das Instruções Normativas e defendendo a caça aos javalis. O advogado Davi Dias de Azevedo, da equipe da ONG Olhar Animal, protocolou a réplica em que é solicitada uma extensão do prazo, pois a entidade está analisando milhares de páginas de processos internos do Ibama e aguardando outros documentos ainda não fornecidos pela própria instituição federal.
Fonte: Olhar Animal
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