No jornal de sexta, 05/06/2020, uma notícia causa alvoroço: o governo de Minas cria um centro de abrigamento animal.
Imagino as pessoas lendo o jornal. Aquele senhor que banha-se no antropocentrismo suspira aliviado: enfim, um fim para esses vira-latas. Outros, apropiando-se do discurso de neofascismo em voga, pensarão: pobre animais, um novo holocausto, com centro de referência pra garantir os 100% sucesso em isolá-los da sociedade.
Os gestores municipais animam-se e entram em contato por mensagens e telefonemas. O mundo animal não está a salvo, nem em perigo, ressalto aos incautos.
O Governo de Minas, nessa gestão, trabalha sério pelos animais. Sim, por eles.
Ao longo da história os animais já foram compreendidos como objetos decorativos num planeta criado para humanos. Borboletas, papagaios, canários com seu canto, tudo criado para enfeitar o mundo e dar a Adão e Eva o cenário perfeito.
Isso sem falar nos bichos concebidos como comestíveis, criados , segundo a interpretação do Gênesis para dominação humana.
Acontece que um bocado de anos se passaram e gente de alto escalão, com Darwin, Peter Singer e, recentemente o Papa Francisco, vieram chamar a atenção. Não é bem assim, pessoal.
Bichos sentem, bichos pensam e não são enfeites planetários, não!
A Encíclica Laudado Si, do atual Papa Francisco lembra que a palavra domínio, expressada na Bíblia, significa gestão, comprometimento, obrigação de conduzir da melhor forma , levando em conta o bem de tudo o que vive e sente.
Pois bem.
Voltemos ao recém inaugurado Centro de Referência em Abrigamento Animal (CRAA) de Minas Gerais. Primeiro, não respirem aliviados. Os problemas com a superpopulação , o abandono e as zoonoses não terminam aí. Outrossim, passam por manejo ético populacional , vacinação, educação para a guarda responsável e para a empatia, direito animais, legislação ,registro e identificação de animais e adoção responsável. O CRAA irá capacitar agentes municipais para realizarem esse trabalho, mas isso é só o começo. Precisamos de mão de obra e de mãos à obra.
Segundo, a saúde humana não resta resguardada com o mero abrigamento de animais. A menos que ele fosse – o que não procede- a estratégia imoral de velar a realidade por detrás das altas taxas de natalidade animal e de abandono, mediante o confinamento de bichos.
A saúde humana é composta de uma complexidade de relações fisico-químicas, sensoriais e emocionais. As vacinas ajudam, o controle de doenças transmissíveis aos humanos também, mas nada disso tem valor ao cidadão empático , que sofre ao ver a dor e o abandono de outro ser vivo.
É sobre essa saúde complexa que queremos falar. Saúde que não se compra em vacinas ou medicamentos, mas , sim , em bem-estar. A professora Dra Carla Molento, ensina que o bem-estar está relacionado com a capacidade de resolver problemas. Se tenho fome, como. Se me sinto presa, saio pra passear. Por outro lado, se me dói ver carroças, engulo a dor e me sinto mal. Se me dói ver animais ardendo em bicheiras nas ruas, tento ajudar, mas são muitos, então durmo frustrada. Isso é mal-estar e adoece.
Os problemas dos animais afligem grande parte da sociedade contemporânea, empática, sabedora da consciência e da sensciencia no animais, tal qual ensinam os doutores de Cambridge.
O governo de Minas Gerais quer trabalhar em prol da saúde humana (latu sensu) e animal. Aí está o fundamento do recém lançado Centro de Referência em abrigamento animal. Ele visa capacitar gestores públicos municipais para que estes, em seus municípios, realizem o manejo ético humanitário de animais. Ele não é e não será a solução para todos os problemas relacionados aos animais domésticos em situação de vulnerabilidade em Minas Gerais, mas, outrossim, será o norte que permitirá que estado e municípios, em parceria, encontrem soluções técnicas e éticas para a superpopulação de cães e gatos.
Um primeiro passo, gigante, paradigmático, inaugurador.
Samylla Mól
Mestra em Direito Ambiental – Historiadora
Coordenadora de Fauna da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de MG
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