Em se tratando de crime ambiental, tanto o poluidor direto quanto o indireto respondem pelos danos produzidos, independentemente de culpa ou dolo. Com essa fundamentação, o juiz Frederico dos Santos Messias, da 4ª Vara Cível de Santos (SP), condenou uma exportadora a pagar R$ 1,39 milhão de indenização por dano moral coletivo pelo transporte terrestre de quase 30 mil bois em condições degradantes até o Porto de Santos.
Conforme o julgador, embora não tenha executado o transporte dos bovinos, a exportadora o contratou e foi “financeiramente beneficiada” pela operação em condições precárias, respondendo por ela. “Nesse contexto, a requerida era responsável pela fiscalização das condições do transporte, não lhe sendo lícito valer-se de sua ‘cegueira deliberada’. Além disso, é certo que o transporte adequado dos animais, com mais caminhões e melhores condições, implicaria a elevação dos custos.”
Segundo os autos, os bois foram submetidos a longa viagem, pois os caminhões levaram entre dez e 13 horas para chegar a Santos, quando o limite máximo para esse tipo de transporte, conforme regulamento, é de oito horas. Tal situação deixou os animais extenuados, porque foram obrigados a viajar sobre os próprios dejetos, sem hidratação e alimentação adequada. Os veículos ainda apresentavam mau estado de conservação e pouca ventilação, sendo insuficiente o espaço para a acomodação dos bovinos.
A Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, define poluidor como a “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (artigo 3º, IV). A legislação também obriga o poluidor, “independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade” (artigo 14, parágrafo 1º).
Prolatada no último dia 14, a sentença julgou procedente na íntegra o pedido formulado pelo Ministério Público estadual em ação civil pública (ACP) de dano moral coletivo. O valor da indenização foi igual ao da multa administrativa aplicada à exportadora Minerva Foods por infrações ambientais (violência física e psicológica aos animais) detectadas por fiscais de Santos no transporte dos quase 30 mil bovinos. Contestada judicialmente pela ré, a penalidade municipal foi mantida em três instâncias.
“O valor da indenização pretendida é igual ao valor da penalidade administrativa já imposta, não havendo excesso a ser reconhecido. Somente um valor de indenização em patamar elevado será capaz de conduzir a empresa, para além de sua precificação de perdas, a repensar suas práticas empresariais. No estágio atual do mundo empresarial, a ‘pedagogia do bolso’ é a única eficaz”, salientou o magistrado. A verba indenizatória será destinada ao Fundo de Defesa dos Interesses Difusos do Estado de São Paulo.
Esferas distintas
Messias observou que a responsabilidade civil (apreciada na ACP) é independente da responsabilidade administrativa e da criminal, podendo o mesmo agente ser responsabilizado nas três esferas pela mesma conduta. Quanto ao mérito, de acordo com o juiz, a empresa não refutou os maus-tratos, que “restaram evidentes”, limitando-se a alegar ausência da sua responsabilidade e do dano. “Portanto, é inequívoca a ocorrência do dano moral coletivo e a responsabilidade da ré pela sua devida reparação.”
O promotor Adriano Andrade de Souza anexou à inicial fotografias que documentam as precárias condições do transporte, inclusive com animais deitados nas carretas em razão do cansaço. Por ironia, conforme ele salientou, a requerida é autora de cartilha, destinada aos seus fornecedores, na qual ela reconhece que os bovinos são “capazes de sentir emoções semelhantes aos humanos, como dor, medo, angústias, ansiedade e felicidade”, necessitando de práticas que priorizem seu bem-estar.
Segundo o magistrado, com base na cartilha que a própria ré produziu e descumpriu, o dever de cuidado e de proteção que deveria ser dispensado aos bois não pode ser afastado com “eventual argumento pueril, muitas vezes pensado, mas não afirmado”, de que eles se destinariam ao abate. “Submeter os animais ao transporte em condições degradantes, causando-lhes sofrimento desnecessário, significa desconsiderar regras básicas, de observação necessária, na produção e comércio da proteína animal.”
Na definição do valor da causa, o representante do MP expôs que a Minerva Foods é a segunda maior exportadora de carne e maior exportadora de gado vivo do Brasil. Para justificar o montante de indenização pleiteado, ele informou que o valor da exportação objeto da ACP foi de R$ 67,3 milhões. Para o juiz, o pedido ministerial se mostra adequado, levando-se em conta a gravidade da conduta e o grande poder econômico da ré, “uma das maiores produtoras de proteína animal do mundo”.
Antes de serem embarcados em um navio com destino à Turquia, os bois foram levados das cidades paulistas de Sabino e Altinópolis até Santos. Os caminhões chegaram ao complexo portuário entre os dias 26 e 28 de janeiro de 2018. Em razão da quantidade de veículos e de animais, precisou ser montada uma força-tarefa municipal, com o apoio da Polícia Militar, para fiscalizar as condições do transporte. Inspeção por amostragem feita em 40 caminhões constatou a média de 27 animais por veículo.
Fonte: ConJur
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