“Canil não é lugar para cachorro.” (Miriam Neder de Assis Falce – Gerente do Departamento de Controle Animal do Município de Juiz de Fora, durante o Encontro Regional do Ministério Público em Juiz de Fora, 18 de agosto de 2017)
De fato, canil não é lugar para cachorro. Esses animais que tanto nos ensinam não merecem ficar confinados em baias, submetidos ao estresse constante, institucionalizados, vivendo presos à espera do fim. Não se quer isso para qualquer animal.
Contudo, existe uma realidade para a qual não podemos fechar os olhos.
Os grandes municípios brasileiros necessitam dos canis, não como um destino final dos animais abandonados, mas como um local em que o cão de rua, abandonado e muitas das vezes debilitado, receberá tratamento médico adequado, alimentação e cuidados, para, recompondo sua saúde, ser finalmente destinado a um lar onde possa ser acolhido para dar e receber carinho, nesta matemática desigual em que os humanos sempre levam imensa vantagem.
A situação de Juiz de Fora não é diferente de qualquer município de maior porte brasileiro. Centenas de cães e gatos são abandonados; procriando intensamente, enfrentam inúmeros riscos nas ruas, e não poderíamos deixá-los à mercê da sorte, sujeitos às agressões da vida nas ruas e a infortúnios como atropelamentos.
Quando o Departamento de Controle Animal da Prefeitura de Juiz de Fora foi criado, dentro da estrutura do DEMLURB ((Departamento Municipal de Limpeza Urbana) em março de 2016, já havia um abrigo contando com quase 600 (seiscentos) cães. Apesar de canil não ser um lugar para cachorro, soltá-los nas ruas não era uma opção.
Diante deste quadro, várias frentes de trabalho foram adotadas para melhorar a situação do canil local.
A primeira medida foi óbvia, porém pouco verificada no cotidiano da Administração Pública: identificar quais funcionários realmente gostavam de animais, permitindo que apenas aqueles verdadeiramente vocacionados trabalhassem diretamente com os cães. Os demais foram remanejados. Hoje podemos dizer que o abrigo de animais de Juiz de Fora conta com um quadro de servidores realmente vocacionados para a proteção animal.
Prosseguindo na melhoria do canil, ocorreram as seguintes realizações, sempre visando ao bem-estar dos animais abrigados: a) reforma das baias, que passaram a ser lavadas duas vezes ao dia, visando a conferir a melhor condição de higiene possível ao animal; b) construção de comedouros de alvenaria, evitando o desperdício de ração; c) alimentação dos animais duas vezes ao dia; d) imunização de todos os animais com as vacinas óctupla e antirrábica.
Pensa-se muito em cães, mas também temos, como qualquer cidade, gatos de rua. E merecem toda nossa atenção. Nesse sentido, foram construídos quatro gatis, com capacidade para cem gatos, pois repetíamos até então o quadro da maioria dos municípios brasileiros: não tínhamos como tratar e abrigar os felinos. Muitos são abandonados no portão do canil, muito pequenos e ainda precisando de amamentação. Hoje temos como responder a estes maus tratos.
E a família animal não para por aí. Também são recolhidos cavalos e bovinos soltos em vias públicas. Estes animais, ao chegarem ao “Canil” Municipal, recebem um chip de identificação, vermífugo e carrapaticida, permanecendo à espera do proprietário por dez dias. O responsável deverá comprovar a posse dos mesmos, pagar as taxas e retirar o animal. Após este período, eles são disponibilizados para adoção e o processo é o mesmo dos cães e gatos. O candidato passa por uma entrevista e precisa comprovar posse de terras suficientes para abrigá-los e alimentá-los. Eles não poderão ser comercializados, usados como reprodutores ou em carroças.
Hoje, de sarna à cirurgias ortopédicas, consegue-se tratar qualquer problema de saúde nos animais abrigados. Os recursos ainda são poucos mas, com muita boa vontade, criatividade e a ajuda de muita gente, estamos conseguindo tratá-los com dignidade. A eutanásia só é aplicada quando indicada pelos veterinários. O abrigo municipal de animais conta com o apoio de três clínicas conveniadas, contratadas através de chamada pública, que recebem os resgatados a qualquer hora. O Canil mantém um plantão 24 horas para resgate de animais atropelados que são levados diretamente para as clínicas. Os animais que precisam de tratamentos apenas ambulatoriais são tratados no canil, onde temos dois veterinários, um ambulatório bem equipado e uma sala de recuperação. Também há convênio com a Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Juiz que, através de encaminhamento, está atendendo animais da população em condição de vulnerabilidade socioeconômica.
Depois de tratados e curados, os animais são disponibilizados para adoção através das visitas ao canil, que acontecem de segunda à sexta e dos eventos de adoção que são realizados aos fins de semana. Além disso, há o serviço de Disque Adoção e páginas em redes sociais exclusivas para aproximar os animais abrigados de um lar, onde ele possa ser feliz e cuidado. Talvez esta seja a parte mais importante do trabalho pois, não faz sentido salvar um animal do abandono e condená-lo a passar a vida num abrigo. Lugar de cachorro e gato é dentro de uma casa, dentro do nosso abraço. O Canil Municipal de Juiz de Fora abriga, em maio de 2018, 483 cães, 79 gatos e 5 cavalos.
O caminho para a diminuição do abandono é a castração, aliada às campanhas educativas. Por isso, o Município de Juiz de Fora vem investindo nestas duas frentes. De janeiro de 2013 a abril de 2018, a Prefeitura de Juiz de Fora castrou no “castramóvel” e nas clínicas conveniadas, 21.000 animais entre cães, cadelas, gatos e gatas. São realizadas visitas a escolas, associações de bairros, faculdades, igrejas e unidades de saúde em busca de parceiros para as campanhas. A receptividade é muito boa e ocorrem pequenos cursos que formam multiplicadores, além da construção de materiais informativos e cartilhas educativas. Cabe ressaltar a participação efetiva de voluntários, de todas as idades, nos eventos promovidos pelo Departamento.
A excelência dos trabalhos desenvolvidos pelo Departamento de Controle Animal de Juiz de Fora motivou o Ministério Público em 2017, pela 8ª Promotoria de Justiça da Comarca de Juiz de Fora, a destinar recursos oriundos de compromissos de ajustamentos de conduta e transações penais ao DEMLURB, a fim de possibilitar mais melhorias no abrigo municipal de animais. E já vem rendendo frutos: com essas verbas já foi possível construir os corredores de acesso ao “parcão” do canil municipal, possibilitando que os cães possam sair das baias para brincar e se exercitar, o que o fazem com palpável alegria. Além de aliviar o estresse causado pelo confinamento, os exercícios contribuem muito para a melhoria da saúde dos animais. Além dos corredores, as verbas destinadas pelo Ministério Público ao DEMLURB já permitiram a aquisição de vários equipamentos para o serviço diário, como caixas de transportes, chips de identificação e medicamentos. As próximas aquisições pretendidas com essas verbas serão uma nova máquina de tosa e materiais de pintura para deixar o ambiente mais atrativo para o público, visto que cresce o número de visitas, inclusive, de alunos de escolas públicas e particulares. E também, com esses recursos, custear parte da obra da estação de tratamento do esgoto gerado pelo canil – porque animal também polui…
Ainda faltam muitas coisas e há uma longa estrada a ser percorrida mas, olhando para trás e vendo como era tudo e o que já foi feito, confiamos estar no caminho certo. E a parceria entre o Ministério Público e o DEMLURB continua.
Autores:
Miriam Neder de Assis Falce – Administradora, Gerente do Departamento de Controle Animal/DEMLURB, em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Alex Fernandes Santiago – Promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, Patrimônio Histórico e Cultural de Juiz de Fora, Minas Gerais. Mestre em Direito Penal – orientação Direito Penal Econômico e Societário – e especialista em Direito Ambiental, ambos pela UBA – Universidad de Buenos Aires. Autor do livro Fundamentos de Direito Penal Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2015.
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