A utilização de carroças no Brasil tem raízes históricas, remontando aos tempos de colônia. Essa atividade surgiu da necessidade de transportar pessoas e mercadorias , quando os motores eram inexistentes.
Ocorre que, das suas origens aos dias de hoje, o cenário e os recursos sofreram profundas alterações e, face aos avanços na tecnologia e às facilidades de transporte hoje existentes, as carroças resistem como instrumento que retrata a miséria humana e animal.
Quem são os trabalhadores que conduzem carroças hoje? Em que condições o trabalho deles é realizado? Essa atividade é regulamentada, de modo a assegurar a segurança no trânsito, dos condutores, passageiros, pedestres e demais motoristas?
A resposta a esses questionamentos vai apontar para a bruta realidade de pessoas mantidas à margem da sociedade e do mercado de trabalho formal e assecuratório de direitos.
Os condutores são pessoas, em geral, simples, que vêem na condução de carroças a única fonte de sustento sua e/ou da família. Estudos sobre o perfil sócio-econômico dos carroceiros apontam que sua renda é baixa e insuficiente para assegurar condições dignas de vida, saúde e conforto. 2 Em pesquisa realizada no Município de Belo Horizonte, constatou-se que quase metade desses trabalhadores advieram do êxodo rural. Dentre eles, muitos são analfabetos ou têm escolaridade baixa.3 Neste cenário, é difícil sustentar a tese de que tal forma de trabalho seja opção em detrimento de outras mais lucrativas, mais seguras, menos rudes com o homem e com o animal.
É cômodo aos olhos do Estado manter os status quo e perpetuar uma atividade discrepante com o século XXI , mas é omissão não cumprir com o Poder Dever de zelar pelos Direitos Humanos, de regular o trânsito e de coibir os maus tratos aos animais trabalhadores.
Os animais, aliás, são a outra ponta dessa questão: hoje eles são tutelados pela Constituição Federal – que veda as práticas que os submetam à crueldade – e pela legislação infraconstitucional. Maltratar animais é crime (Lei 9605/98) e, em Minas Gerais, infração administrativa (Lei 22.231/16).
Não há como se falar de utilização de animais para tração em áreas urbanas sem relacioná-la à crueldade e aos maus tratos. O ambiente das cidades, por si só, já afronta ás necessidades comportamentais dos equídeos, que gostam de viver em campo e não ao som de buzinas e no caos do trânsito.
Em breve síntese, as carroças urbanas são fruto de uma sociedade desigual, pouco inclusiva e que, por isso, mantém práticas que mantém pessoas e animais à margem de seus direitos, já assegurados pela letra das leis. Não há que como defender a lida urbana, de co-working , entre carroceiros e equídeos, como atividade cultural.
Cultura é engrandecimento, memória, história viva, expressão da grandiosidade do ser humano. Atividade cultural é a forma como essa cultura pode ser expressa, é arte, dança, teatro, feiras, feitura de comidas, literatura, capoeira e todas mais que elevam dado ser ou sociedade para além da sua condição meramente fisico-material. O fato de uma atividade ser antiga, não a dá o merecimento para ser reconhecida como cultural.
Reconhecer as carroças urbanas como atividade cultural, seria legitimar uma prática que é fruto da miséria humana e da crueldade contra animais.
A carroça, à frente da qual trabalha um ser vivo é conduzida por outro, ambos em situação deplorável, do ponto de vista da dignidade humana e animal. Tal atividade precisa ser extinta e não aplaudida por títulos honoríficos. Já é hora das carroças serem substituídas por veículos motores, dos animais serem libertados desse julgo e dos carroceiros serem inseridos no mercado de trabalho, em condições dignas, que lhes assegurem saúde, sustento e acesso a atividades verdadeiramente culturais.
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