Projeto de ONG treina animais há dois anos para ajudar no tratamento de idosos, autistas e pessoas com deficiência. ‘São extremamente capazes de executar o trabalho’, diz coordenadora.
No lar Ombro Amigo, que atende idosos em Ribeirão Preto (SP), o dia é de visita. Maria Clélia Lourenço, de 68 anos, abre o sorriso grande enquanto brinca com Mariazinha e aproveita para matar a saudade dos velhos tempos.
“Gosto muito de cachorro, já tive dois. A gente fica feliz de ver, né? É muito bonito. Gosto de brincar com todos eles”, diz dona Clélia.
Mariazinha foi recolhida das ruas da cidade e agora faz parte de um grupo com uma importante missão: ajudar na recuperação de pacientes e levar alegria a pessoas atendidas por ONGs e instituições filantrópicas.
O início
Há dois anos, o projeto ‘Dr. Cãopaixão’ treina cães de rua para atuar em atividades de cãoterapia.
Ao contrário dos outros projetos, que utilizam cães de raça, animais resgatados de situações de maus-tratos ou de abandono são os protagonistas. Eles ganham uma nova família e um trabalho que é puro amor.
Segundo levantamento da ONG Cãopaixão, há cerca de 50 mil cães abandonados na cidade. A iniciativa de aproveitar os animais como terapeutas surgiu com a ideia de dois voluntários.
Eles cuidam dos cachorros recolhidos em um centro de reabilitação próprio. No local, eles recebem um treinamento específico. Quando estão prontos, é hora de retribuir o carinho recebido com visitas animadas às pessoas que necessitam.
“Conseguimos fazer um projeto com cães de rua, traumatizados, que sofreram, que apanharam, que vieram muito doentes para cá e foram tratados. Somos a prova viva de que os cães de rua são extremamente capazes de executar um trabalho desses, não só os cães de raça”, diz a voluntária e gestora do projeto, Mércia Bolonha Soares de Oliveira.
A ‘cãoterapia’ é um método terapêutico que facilita e ajuda pessoas com dificuldades físicas, neurológicas e até com algum tipo de deficiência. De acordo com Mércia, pesquisas científicas já comprovaram a eficácia do tratamento alternativo.
“Essa pessoa vai ter uma melhora da autoestima, batimentos cardíacos vão normalizar, a pressão arterial abaixa, são incríveis as respostas que você tem”, diz.
Ao todo, 19 cães fazem parte do time. Seis ainda estão sendo treinados e devem estar aptos para o trabalho até o final do ano. Os outros já fazem os atendimentos em instituições.
As técnicas são ensinadas por outro coordenador do projeto, André Luis, que trabalha com o adestramento de cães há 36 anos. O tempo para concluir a reabilitação e o treino dos animais é de oito meses a um ano. Mas existe um segredo para os filhos de quatro patas, como chama carinhosamente os cachorros, aprenderem mais rápido.
“O cão tem que ser tocado pela gente, tem que ter carinho”, diz sorrindo. “É feita uma análise sobre comportamento e temperamento. Ele começa a receber um treinamento de obediência e sempre tem que ter o reforço positivo. Tem que fazer tudo por carinho. A gente até usa a isca, mas é muito pouco”, explica.
O adestrador sabe que o serviço foi concluído com sucesso quando o animal passa a demonstrar mudança no comportamento. “Sei que o cachorro está pronto quando ele vem me dar carinho. Ele mostra para mim que aquilo que está fazendo é prazeroso. Quando vem e mostra isso, meu coração toca, aí o coloco para trabalhar”, diz.
Trabalho em prática
O serviço da ‘cãoterapia’ não tem custo. Instituições interessadas podem procurar a ONG e fazer um agendamento.
“A gente vai primeiro no local fazer uma visita, para ver o ambiente como é, como os pacientes são. A gente faz uma triagem e depois escolhe quais animais vão em cada local”, diz Luis.
O time de visitas é composto de seis a oito cachorros, todos acompanhados por um guia. Antes de sair para o trabalho, os pets passam por uma higienização completa: banho, corte de unhas e pelos penteados. Tudo pensado para manter a saúde dos animais e de quem eles vão atender.
Dedé é um dos animais terapeutas acostumado com todo esse processo. Segundo o adestrador, o cãozinho foi resgatado ainda bebê, abandonado em uma praça, há seis anos, quando o projeto Dr. Cãopaixão era só uma ideia.
“Se vou a uma visita e não fico com ele, no outro dia ele não vem perto de mim. Pegamos um cachorro novo e comecei a treiná-lo. Fui levá-lo a uma visita, era uma experiência com o cão. Então eu dei o Dedé para ficar com uma pessoa. Ele ficou uma semana sem chegar perto de mim. Eles ficam de mal”, conta o adestrador.
Os coordenadores não medem esforços para seguir com o projeto e aceitam todo o tipo de ajuda. O importante para eles é poder levar a ‘cãoterapia’ para o maior número de pessoas possível.
“Meu coração se enche de felicidade porque estamos tendo uma resposta muito grande. É muito gratificante assistirmos essa reposta dos animais e das pessoas. Eles têm muita gratidão, sabem que foram resgatados e sabem o amor que recebem”, diz Mércia.
Visita dos peludos
O lar onde vive dona Maria Clélia, na zona Leste de Ribeirão Preto, recebe visitas regulares dos bichos. Segundo o enfermeiro Eduardo dos Santos, a terapia com os animais é um recurso alternativo que rende bons frutos aos 27 idosos que vivem lá.
“Sob o olhar da saúde mental, esse trabalho terapêutico funciona muito bem. Quando você traz os cães terapêuticos, os idosos conseguem se distrair melhor. Não somente de uma forma lúdica, mas também conseguem se socializar bem mais com esse com esses cães e evoluir no tratamento muito mais rápido. Melhora a questão da saúde em um todo”, afirma Santos.
A declaração é comprovada com a chegada dos cães. O que não falta no ambiente são sorrisos e as mãos tímidas vão ficando à vontade para acariciar os visitantes peludos.
João Inácio Correia, de 68 anos, vai de cachorro em cachorro para brincar um pouco com todos. “Tiro fotografia, passo a mão. É a diversão nossa eles virem aqui visitar a gente. É bom para refrescar a cabeça. É um dia diferente”, afirma enquanto brinca com Astro.
Com espírito jovem e brincalhão, João Miguel Oséias da Silva, de 72 anos, aproveita cada minuto com os animais. Ele faz questão da visita e até reclama da demora para o retorno deles.
“Eu falo: ‘o pessoal do cachorro vem ou não vem?’ Eu penso que devia liberar para mais cachorros desse tipo para agradar as pessoas. Eu gosto muito de animais. Faz muito bem”, diz.
No que depender da instituição, as visitas continuarão por muito tempo.
Fonte: G1
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