Expirou no dia 23 de fevereiro de 2021, o prazo para que a Prefeitura de Aparecida (SP) recorresse da sentença proferida no dia 06 de outubro de 2020 pela Juíza da 1ª Vara Cível de Aparecida (SP), Luciana Belan Ferreira Allemand, em que julgou procedente a ação civil pública ajuizada pelo GAEMA/Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (MP) contra aquele município, condenando-o a cessar o uso de equinos em charretes turísticas e adotar medidas em favor dos animais submetidos a veículos de tração. Para a magistrada, “a exploração de cavalos em charretes turísticas e carroças é de amplo conhecimento, sem que haja na cidade a mínima estrutura para tratamento, supervisão e acompanhamento dos animais, que são expostos a maus-tratos e situações cruéis”.
Em dezembro passado, antes de assumir o cargo, o atual prefeito de Aparecida (SP) Luiz Carlos de Siqueira, o “Piriquito”, reuniu-se virtualmente com ativistas da causa animal e manifestou sua intenção de acatar a decisão judicial de 1ª instância, encerrando assim de vez a exploração dos cavalos para tração de carroças e charretes no município. E cumpriu a palavra, não recorrendo da sentença e sinalizando tempos melhores para os animais naquela cidade.
Em Aparecida, há 38 charretes autorizadas pela Prefeitura e diversas carroças em circulação, tendo referido Núcleo do Ministério Público recebido diversas denúncias por maus-tratos aos animais. Foram comprovadas no processo irregularidades como privações de cuidados básicos, excesso de peso nas carretas (que permitem o transporte de até seis passageiros adultos), injúrias mediante açoites e chicotadas, doenças decorrentes do esforço servil e até desmaios e morte de cavalos em via pública, por exaustão.
Duas médicas veterinárias, Vanilda Moraes Pintos e Vania Plaza Nunes, colaboraram com as investigações do inquérito civil, positivando tecnicamente a ocorrência de abusos e maus-tratos aos cavalos forçados a movimentar as charretes turísticas. Já a protetora Rosangela Coelho, do Santuário Filhos de Shanti, forneceu ao GAEMA registros fotográficos e filmagens dos animais durante eventos religiosos em Aparecida.
Diante da relutância da ex-prefeita Dina Moraes Moreira em aceitar acordo judicial proposto pelo Ministério Público, com vistas a abolir a exploração animal em charretes e carroças na cidade, a juíza decidiu que as provas produzidas no processo eram suficientes para demonstrar a crueldade dessa prática e determinou ao Município de Aparecida que cesse as autorizações para trânsito de charretes turísticas, além de impor uma série de obrigações públicas em defesa dos animais.
Na sentença foi decidido que o Município deverá providenciar inspeção veterinária a todos os equídeos utilizados nas charretes turísticas, encaminhando os animais tidos como incapacitados a tratamento emergencial, para então destiná-los a entidade pública ou privada adequada (cuja finalidade seja a proteção animal). Os outros cavalos usados em carroças e charretes não turísticas também devem passar por avaliações, devendo os responsáveis pelos animais ser orientados acerca do tratamento devido a eles (abrigo, alimentação e cuidados básicos), sob pena de incorrerem em abusos e maus-tratos (que incluem o abandono).
A Justiça ainda determinou a apreensão de todos os equídeos feridos, debilitados, doentes ou idosos (caso os responsáveis não assumam suas obrigações de tratá-los de forma condigna) e sua destinação a local adequado para acolhida e tratamento. Também se decidiu pela efetiva fiscalização para que charretes e carroças movidas a tração animal não mais transitem nos limites territoriais de Aparecida, aplicando-se multa administrativa aos infratores e levando os animais apreendidos a local adequado para acolhida e cuidados (órgão público ou entidade particular, cuja finalidade seja a proteção animal), vedada sua destinação econômica e/ou servil, abandono em vias públicas, entrega para matadouros, venda em leilões ou quaisquer outras atividades que contrariem os interesses dos animais
Por fim, a sentença obriga o Município a providenciar ampla divulgação pública sobre o fim da utilização de Veículos de Tração Animal no Município de Aparecida, por meio de informações publicitárias na cidade e veiculação de mensagens pedagógicas compassivas, zelando para que doravante nenhum equídeo possa ser explorado em atividades servis, seja na zona urbana ou rural. Os prazos das obrigações variam entre 90 dias, 180 dias e 1 ano, sendo estabelecida pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada descumprimento.
Em seus argumentos a juíza Luciana Belan mostrou-se enfática ao reconhecer a crueldade dos VTAs: “A despeito do caráter cultural que referida atividade assume, não se pode buscar o amparo à prática de atos ilegais, sob o manto do suposto amparo histórico, cultural ou fomento ao turismo local. Primeiro porque a razão histórica não pode ser óbice à evolução social e observância e respeito aos direitos dos animais. A questão cultural também é superada pela vedação legal que expressa a real e atual vontade popular”.
Segundo Laerte Levai, autor da ação, a referida sentença “é algo inédito no Brasil pelo fato de reconhecer a ilegalidade de uma prática cruel que o direito muitas vezes legitima sob argumentos de ordem cultural, haja vista que a submissão de seres sensíveis a trabalhos forçados, mediante abusos, injúrias e privação dos direitos básicos relacionados ao bem-estar, é a negação da justiça a quem mais precisa dela. Já se fazia hora de o Poder Judiciário reconhecer o sofrimento dos animais escravizados, livrando-os da violência e opressão”, conclui o promotor do GAEMA.
O processo, agora transitado em julgado, tramitou por meio eletrônico na 2ª Vara de Aparecida com o nº 1001038-82.2019.8.26.0028.
Para acessar a histórica sentença em formato PDF, clique aqui.
Fonte: Olhar Animal
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