Orientações de manejo foram desenvolvidas durante tratamento de colibris entregues ao Cetas de Belo Horizonte; tamanho e idade das aves dificultam os cuidados.

Há oito meses a estudante de medicina veterinária, Thamiris Freitas, se dedica integralmente aos cuidados com beija-flores resgatados e encaminhados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Belo Horizonte, onde é estagiária. Nesse período, oito indivíduos de três espécies diferentes foram recebidos, reabilitados e devolvidos à natureza.

O sucesso do tratamento se deu graças ao protocolo alimentar desenvolvido pela jovem e por outros especialistas do Centro, após muito estudo e observações detalhadas do comportamento dos colibris. “Durante minhas pesquisas constatei que 3% da base alimentar desses animais é composta por proteínas e o restante por glicose. Ou seja, além do néctar das flores, eles se alimentam de insetos e pequenos artrópodes. Suprir essa necessidade proteica em cativeiro é muito difícil, mas conseguimos desenvolver técnicas e receitas ideais para esses casos”, conta Thamiris, que para chegar às respostas certas, tirou licenças para cuidar dos indivíduos em casa e garantir atenção em tempo integral.

“Eles precisam comer de 20 em 20 minutos, o que dificulta muito o manejo. Para os que chegam filhote, eu ensino a reconhecer que o alimento está na seringa, um trabalho que requer insistência. Por outro lado, como têm metabolismo muito rápido, parece que eles também aprendem mais depressa”, comenta.

Além de criar uma receita equilibrada de proteína, sem provocar hiperdosagens nas aves, a estudante precisou se atentar à hidratação e ao gasto energético dos beija-flores durante o tratamento. “Sabemos que o coração de um adulto bate até mil vezes por minuto, ou seja, ele gasta muita energia. Mas no caso dos filhotes que não voam, ou dos adultos machucados, esse gasto é menor, outra questão que tivemos que balancear”, diz.

Pequenos e bravos

O primeiro colibri tratado por Thamiris foi um filhote de beija-flor-tesoura resgatado após cair do ninho. “Foram 52 dias sob cuidados intensos. Eu soltava ele na sala de casa para aprender a voar, a pairar no ar e encontrar alimento. Além da dieta, me preocupava com as questões comportamentais da ave: ele tinha que aprender a ser um beija-flor para voltar à natureza”, lembra a jovem, que ao longo dos meses foi desafiada por um estrelinha-ametista.

“Essa é uma as menores espécies de beija-flor das Américas. Ao pesá-lo pela primeira vez a balança ficou zerada. Depois, em uma balança de precisão, o resultado foi de dois gramas. Lidar com aves tão pequenas e delicadas, e ao mesmo tempo territorialistas e agressivas, é bem desafiador”, conta.

Mas a maior dificuldade não é o tamanho. “Quanto mais adulto mais difícil, porque são animais muito ativos, que na natureza ficam o tempo todo voando de flor em flor atrás de alimento. Manter essa atividade em cativeiro é complicado, assim como contê-los em um ambiente mais restrito para evitar que se machuquem”, diz.

Para mim, como estudante, aspirante a ornitóloga e apaixonada pelas aves, gratidão é a palavra que define essa oportunidade de aprender diariamente sobre essas espécies, ajudar e ver que foi algo que deu certo e pode ser ensinado para outras pessoas. Ver a visibilidade desse trabalho é muito bacana, foi algo que eu fiz pelos beija-flores
— Thamiris Freitas, estudante

Busque por especialistas!

Outro grande desafio é cuidar de aves encaminhadas ao Cetas tempos depois do resgate. “É muito comum que as pessoas encontrem o filhotinho caído ou machucado, tentem cuidar em casa e aí, na hora que o animal começa a ter déficits nutricionais, entregam para o Cetas. É muito difícil reverter casos como esses, porque os animais chegam com problemas crônicos”, explica a médica veterinária e coordenadora do Cetas BH, Érika Procópio.

“É quase impossível cuidar dessas espécies em casa, sem instrução, porque eles demandam alimentação constante. Na tentativa de tratar a ave em casa, os beija-flores passam um dia inteiro sem se alimentar e chegam até nós em estado de hipoglicemia severa. Já conseguimos reverter alguns casos assim, mas seria muito mais fácil se chegassem logo após o resgate”, reforça Thamiris.

Conhecimento compartilhado

Mesmo quando encaminhados para centros veterinários, os beija-flores nem sempre recebem os cuidados adequados, afinal, são escassos os estudos sobre o trato dos colibris. Pensando nisso, o Cetas de BH desenvolveu um guia colaborativo de manejo alimentar, compartilhado com outros Cetas de Minas Gerais e dos demais estados brasileiros. “É um trabalho bibliográfico produzido em parceira com a ONG Waita. Tudo o que aprendemos de novidade é incluído no guia: recentemente publicamos os aprendizados sobre a dieta dos irerês, assim como dos beija-flores”, comenta Érika.

A gente acredita que conhecimento precisa ser compartilhado. Se aprendemos alguma coisa que está dando certo, que está sendo benéfico para os animais, a gente quer que o mundo inteiro saiba, para que não cometam os mesmos erros — Érika Procópio, médica veterinária.
“Esse exemplo dos beija-flores mostra como é importante estar sempre estudando e observando os animais. É através das observações que nós aprendemos, pois nesse mundo dos silvestres muita coisa ainda não foi publicada, então é na base da tentativa e erro”, diz.

Informação é proteção

Todos os animais silvestres apreendidos, recolhidos ou entregues voluntariamente em Belo Horizonte são encaminhados aos Cetas, que em um ano chegou a receber 10 mil indivíduos das mais variadas espécies.

Apreendidos são os animais de tráfico e posse irregular, recolhidos são os animais de vida livre que por algum motivo se acidentaram ou entraram em conflito com ações antrópicas, e entrega voluntária é quando a pessoa que detinha o animal de forma ilegal resolve entregá-lo

Nem todas as cidades possuem centros especializados para receber animais resgatados, no entanto, procurar auxílio de especialistas é crucial quando animais silvestres são resgatados. “O cuidado inadequado das pessoas com boas intenções acontece com várias espécies e, quando a pessoa percebe, é tarde demais. Por isso a gente reforça a necessidade de pedir orientações de profissionais”, explica Fernanda Sá, diretora da ONG Waita, que junto à equipe criou um canal de comunicação para auxiliar resgates em todo o Brasil.

“Além das redes sociais temos um número disponível para que as pessoas nos liguem e procurem ajuda. Temos contato 24 horas com especialistas de várias regiões do País e essa troca de informações pode ajudar em muitos casos. A gente sabe das boas intenções, mas precisamos de conhecimento técnico para cuidar de silvestres”, finaliza.

Para outras regiões do país também é possível pedir orientação à Polícia Ambiental.

Contato SOS Waita: 31 994624867

Fonte: G1