Numa separação conjugal, além da divisão de bens, o pet pode entrar na disputa. Desde que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, no ano passado, que a parte que perdeu a guarda do animal tem direito a visitas em fins de semana alternados, ficar com o bicho em feriados prolongados e em festas de fim de ano passou a orientar as decisões em instâncias inferiores. Mas a presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil, em Niterói, Márcia Lichote, diz que na maior parte dos casos um acordo entre o ex-casal tem resolvido a questão.
— Numa separação, o animal acaba ficando com quem tem a maior relação afetiva. Aí, cai na seara que a gente sempre vê em direito de família que é a de provas, com fotos e vídeos com o animal. Nesses casos, qualquer material que prove o vínculo afetivo do bicho desde cedo e de forma mais intensa com um dos ex-cônjuges serve como prova. Dificilmente há uma sentença, porque as partes sempre entram em acordo. A guarda fica com quem ganhou o animal e tem mais proximidade com ele. Depois, o outro vai visitando. O que acaba acontecendo é que, com o tempo, essas visitas acabam sendo cada vez menos frequentes — conta Márcia Lichote.
A advogada explica que a decisão dada no ano passado pelo STJ tem orientado a questão nas varas familiares. Mas, para ela, um projeto de lei que está em tramitação na Câmara Federal desde 2011 e que dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores resolveria de vez o imbróglio.
— O que acontece é que, sem a lei, não tem como recorrer da decisão em caso de equívoco. Tem um entendimento do STJ de que tem que haver visita, mas não é uma lei. Ele faz apenas uma analogia com o que é feito com as crianças no caso das separações — diz Márcia Lichote.
Para o psicólogo Leonardo Cruz, dividir com a ex-mulher Ana Luiza Fortuna a guarda dos cachorros Caju e Pretinha e dos gatos Mel e Júpiter não foi complicado.
— Buscamos a via do entendimento. Sempre acreditamos no diálogo, apesar de às vezes ser difícil — diz Cruz, que conta não ter precisado recorrer à Justiça para resolver a questão. — Acaba que não temos um acordo muito definido em relação à guarda. É tudo um diálogo constante. A Ana, por exemplo, foi viajar agora e eu que fiquei cuidando da Pretinha.
Relação ruim pode prejudicar a custódia
Nem todo mundo, porém, tem a sorte do psicólogo Leonardo Cruz. O advogado Bruno Gameiro, que em 2015 virou notícia ao conseguir uma liminar que garantia seu direito à guarda compartilhada do buldogue Braddock, acabou abrindo mão da conquista.
— Não havia um bom relacionamento entre eu e minha ex. E não é possível ter a guarda compartilhada se não houver diálogo. As duas partes precisam se falar e administrar aquela vida — explica.
Apesar disso, Gameiro se diz satisfeito por ter contribuído com a discussão acerca da guarda de animais. Quase quatro anos depois de a liminar ter sido feita, ele ainda recebe ligações de pessoas interessadas em conversar sobre o caso.
— São estudantes, pesquisadores e pessoas em situação similar. Mesmo trabalhando com direito empresarial, fico feliz de ter ajudado no desenvolvimento desse debate em outro campo do Direito — diz ele.
A liminar conquistada por Gameiro foi uma das várias decisões recentes em tribunais estaduais relativas ao assunto. Desde então, casos semelhantes foram registrados em outros estados além do Rio.
— Há uma tendência de casais terem menos filhos, ou optarem por não tê-los. Os animais surgem como um meio de completar essas relações de afeto — aponta Regina Beatriz Tavares da Silva, advogada e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).
Na decisão de 2018, o STJ determinou o direito de visitação ao julgar o caso da yorkshire Kim, pertencente a um casal de São Paulo. Um dos magistrados ressaltou que, segundo o IBGE, existem mais famílias com gatos e cachorros (44%) do que com crianças (36%).
Outro projeto de lei, apresentado pela senadora Rose de Freitas (Pode-ES) em 2018, e atualmente na Comissão de Constituição e Justiça, determina o compartilhamento da custódia dos animais — o termo é usado para diferenciar da guarda compartilhada de humanos.
— O animal está registrado no nome de uma pessoa, mas na prática ele é do casal. No compartilhamento, a divisão do tempo com o bicho e das responsabilidades é feito de maneira igual, levando em conta as condições de ambiente e disponibilidade — explica Regina.
No entanto, segundo a advogada, o projeto tem problemas ao não levar em conta a possibilidade do direito de visita e do pagamento de pensão.
—Não é porque alguém não tem condições financeiras que ele deve perder a custódia do animal. É semelhante à pensão alimentícia de filhos. Se não for assim, quem vai ficar com a custódia sempre será aquele que tem o poder financeiro. E o Direito não serve para isso — explica.
Regina vê ainda um problema no atual Código Civil: a classificação dos animais como coisas. Para ela, bichos deveriam ser considerados seres vivos dotados de sensibilidades, como acontece em Portugal, na Alemanha e na França.
—Parece uma coisa pequena, mas não é. Se isso não for feito, abre-se espaço para interpretações. Devemos pensar tanto nas pessoas envolvidas quanto no animal — diz.
Foi pensando nos animais que Leonardo Cruz e Ana Fortuna decidiram que os gatos ficariam com ele.
— Felinos são mais territoriais e ficar mudando de casa poderia ser estressante para eles — conta Cruz.
Fonte: O Globo
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