A coruja-preta Roberto quase perdeu as asas ao se enroscar numa linha de pipa. A tamanduá-mirim Luiza ficou órfã logo ao nascer, após sua mãe ser morta por um traficante de animais silvestres. A jaguatirica Tereza escapou por pouco de ser capturada por caçadores e foi levada para o Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama-RJ com graves ferimentos. Apesar de terem sido batizados com nomes humanos, os três animais não foram domesticados, nem serão enviados para zoológicos.
Eles ingressaram num programa de reintrodução de animais silvestres em seu habitat, coordenado pelo Instituto Vida Livre, ONG que nos últimos quatro anos tratou e devolveu à natureza mais de 4 mil animais, entre aves, mamíferos e répteis da fauna brasileira.
A coruja voltou para a mata atlântica depois de um processo de reeducação: como foi separada da família ainda filhote, precisou de treinamento com um especialista em falcoaria para aprender a caçar insetos e a voar com segurança. A tamanduá teve que ser alimentada com uma mistura de creme de leite com ração para gatos e passados quase 12 meses, segue sendo preparada para voltar à floresta. Já a jaguatirica voltou a viver numa área de mata-atlântica, depois de ser cuidada por veterinários.
As historias destes três animais fazem parte de um acervo de casos — nem todos com final feliz — que o publicitário Roched Seba, presidente da ONG, vem revelado nas redes sociais. Nas páginas do Instagram, mais de 44 mil pessoas vem acompanhando, em vídeos e fotos, a trajetória de animais resgatados em feiras clandestinas, achados em beiras de estradas à beira da morte ou levados para algum centro de triagem.
Apesar do tema triste e pesado, as imagens não mostram o sofrimento. O foco, explica Roched, é exaltar a superação. Vários artistas já declaram apoio ao trabalho da ONG.
Anualmente o Ibama-RJ recebe cerca de 6 mil animais silvestres resgatados. Destes, uma média de 4 mil são devolvidos à natureza. O Instituto Vida Livre é responsável técnico por três das cinco áreas de soltura, atuando em parceria com o órgão federal.
Antes de ganhar a liberdade de novo, eles passam por exames, são tratados e, depois de uma quarentena, são encaminhados para um dos pontos de soltura do Instituto.
— A soltura não é só abrir uma gaiola. Cada grupo de espécies tem um protocolo de exames veterinários a serem feitos para garantir a saúde do indivíduo, do grupo e do meio ambiente antes de ele ser liberado — conta Roched, que trabalha com dois veterinários.
Na semana passada, O GLOBO acompanhou uma soltura de 22 aves, araras-maracanã e periquitões-maracanã. O grupo foi o oitavo a receber acolhida no sítio da empresária Brenda (ela prefere não revelar o sobrenome), que desde o início do ano mantém em funcionamento um viveiro para acolher animais trazidos pelo Instituto Vida Livre. As aves foram doadas por um criador e passaram alguns meses sendo cuidadas.
Roched explica que, no caso de animais criados em cativeiro, a opção mais usada é a soltura branda: é aberta uma porta ou alçapão e os pássaros saem quando querem. O processo é lento e pode durar dias. E não são raros os casos em que as aves voltam para a gaiola. No sítio da Zona Oeste, duas sabiás que foram soltas há meses na semana passada ainda flanavam entre os periquitos e araras no viveiro.
— Outro dia, fiquei emocionada porque estávamos na piscina e vi um canarinho e outros pássaros que tínhamos soltado pousados no chão — conta Brenda, que, por questões de segurança prefere não revelar seu sobrenome, nem a localização do sítio.
A área de Brenda é a mais recente opção da ONG, que começou o trabalho em 2014 numa propriedade do cantor Ney Matogrosso, na Região dos Lagos. A fazenda do casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, na Região Serrana, também é um dos pontos de acolhida e soltura.
— É uma delícia saber que vocês está levando de volta para a natureza algo que foi tirado de lá — diz o cantor Ney Matogrosso, que já soltou jiboias, cachorros do mato, corujas e papagaios e maritacas.
Sem sócios ou patrocinadores, a ONG sobrevive das consultorias técnicas, de eventuais doações e de parcerias. Os gastos mensais são estimados em cerca de R$ 25 mil. Atualmente, a ONG está em campanha para arrecadar fundos para construção de uma sede própria. Fãs da causa estão dando apoio: uma das ações será em outubro, um show de Ney Matogrosso, Mariana Aidar e Alice Caymmi, no Circo Voador, com renda revertida para o Vida Livre.
— Vejo em cada animal uma história que precisa ser contada para ajudar a mudar a mentalidade das pessoas — diz Roched.
Roched lembra emocionado de cada um dos animais que passaram pelos cuidados do Vida Livre. Mas confessa que um caso em especial foi o mais marcante: o da tamanduá Luiza.
— Fui no Ibama, na Praça XV, para ter uma reunião sobre um projeto, e quando estava chegando, a reunião precisou ser cancelada porque tinha acabado de chegar lá um tamanduá-mirim. Mataram a mãe dela no Horto e uma senhora levou ela para lá, numa pote de congelados. Iam vender o filhotinho. Ela era mínima, com cordão umbilical com resto de sangue, o olhinho fechado e imóvel, ela tinha passado uma noite em jejum. Saí dali prometendo para mim mesmo que iria salvá-la. Contei com ajuda de muita gente nas redes sociais. No começo, ela foi alimentada com uma mistura com creme de leite. Depois chegamos a trazer uma árvore com cupins para ela aprender a se alimentar. Hoje ela está sendo preparada para o momento de soltura. As pessoas me perguntam se eu vou conseguir soltar a Luiza… Claro, este é nosso objetivo.
Fonte: ANDA
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