Criaturas de olhar doce, porte pequeno, resiliência acentuada, os jumentos já foram fundamentais para a economia e vida no Nordeste brasileiro. No lombo deles eram transportadas pessoas e mercadorias. Animal resistente às intempéries, às secas e ao descaso humano, os jumentos foram longamente utilizados para o trabalho.
Com o incremento dos meios de locomoção mecânicos e industriais, o animal foi sendo lentamente substituído e abandonado. Durante anos predominou, nos campos e estradas Nordestinas, a melancólica cena de jumentos pastando, a Deus dará, esquecidos dada a sua inutilidade para o trabalho.
Esse cenário mudou a partir do interesse estrangeiro pela pele do animal, para retirada do ejiao, substância utilizada pelos chineses para a preparação de bebidas anti-idade, medicamentos para a menopausa, impotência, prevenção de aborto, tratamento da anemia e até mesmo para insônia e irritabilidade. Como se pode antever a imensa gama de usos do produto, por si só, já deve suscitar dúvidas quanto a cientificidade dos mesmos. Estarão os jumentos sendo dizimados pela crença em um produto milagroso, eficaz contra tantos males? Ainda que essa propriedade medicinal restasse comprovada, a eficácia do ejiao para cura de algum mal, por si só, justificaria a matança indiscriminada de jumentos, sem qualquer consideração pelos Direitos Animais?
Desde o início das exportações para a China, o Brasil vive um decréscimo das populações de jumentos, colocando a sobrevida da espécie em risco no país. No mundo, cerca de 4,8 milhões de jumentos são abatidos anualmente para extração de pele e, no Brasil, a estimativa é de que 60.000 jumentos sejam esfolados por ano.
A atividade de abate de jumentos hoje é considerada um risco para a espécie no Brasil. Isso porque, diferentemente do abate de animais criados para esse fim, os jumentos não são “produzidos”, mas sim capturados na natureza, em lotes vagos e beiras de estrada, de maneira insustentável. As taxas de reprodução destes animais não tem a mesma velocidade que os índices do seu abate.
Há que perguntar: se o risco de extinção existe, como a atividade, em caráter extrativista, subsiste? Há que se lembrar: a Constituição Federal veda as práticas que provoquem extinção das espécies.
A apreensão, encurralamento e esfolamento dos jumentos precisa ser analisada também sob o prisma do bem-estar animal e de seus direitos. Isso porque, na forma como o processo é conduzido hoje, há latente crueldade.
Amontoados, mal alimentados e desdenhados enquanto seres vivos e sensíveis, os jumentos vivem verdadeira Odisséia até o momento do tosco abate. Aos vendedores e compradores, pouco importa que a integridade física dos animais seja mantida, ou que estejam alimentados e, menos ainda, que não sejam expostos a requintes de crueldade psicológica. O que interessa, no caso dos jumentos encurralados para a China, é que a morte seja certa e a pele extraída. Ou seja, que eles sejam devidamente esfolados.
Os jumentos são seres complexos, com aguçada capacidade de sofrer e de compreender os dissabores da vida.
Face a isso, não resta outra constatação senão a de que a matança de jumentos, na forma como ela é feita hoje, fere duplamente os preceitos da Magna Carta, haja vista que colocam a espécie em risco de extinção e submete os animais à crueldade.
Urge que essa crueldade tenha fim! Nesse sentido,tramitam, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 5949/2013, que pretende proibir o abate de jumentos no Brasil e o Projeto de Lei 1218/2019 , que pretende tornar os jumentos patrimônio nacional e proibir o seu abate em todo o território nacional. Embora louváveis, tais iniciativas legislativas não sanam o problema dos maus-tratos, pois ao proibir o abate podem abrir uma brecha para que os animais passem a ser transportados vivos, o que aumentaria o seu suplício.
Por isso, é necessário que seja proposto um substitutivo aos mencionados Projetos de Lei, acrescendo aos mesmos a vedação de exportação desses animais vivos, para fins de consumo de seus produtos e subprodutos.
É preciso proteger juridicamente os jumentos contra os olhos cobiçosos que se auto- vedam para não reconhecer que esses seres estão em sofrimento.
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