Este texto é de autoria de Luiza Cervenka de Assis, bióloga com mestrado em psicobiologia (comportamento animal), doutorado em veterinária e pós-graduação em jornalismo. Desde 2010 trabalha como terapeuta comportamental de cães e gatos, ajudando pets e humanos a conviverem em harmonia e é autora do blog “Comportamento Animal – Dicas e curiosidades sobre animais” veiculado no jornal eletrônico do Estadão.
Ter um cachorro é muito mais do que um serzinho peludo para brincar ou distrair-nos. É necessária uma dedicação específica para oferecer a melhor qualidade de vida e, consequentemente, diminuir queixas comportamentais.
Uma das maiores dificuldades que eu encontro para ter resultados com a terapia comportamental é a dedicação do tutor. Na hora de apontar todos os comportamentos que lhes incomodam, não há hesitação. Porém, na hora de colocar em prática o planejamento sugerido pelo profissional do comportamento, há sempre ressalvas.
A dedicação a um animal de estimação deve ser a mesma que temos com qualquer outro assunto de nossas vidas. Ter um pet é muito mais do que ter uma companhia, um amigo, uma fonte de carinho, um pequeno para brincar. Costumamos ver os animais de uma forma utilitária para satisfazer as vontades e expectativas humanas. Todavia, o animal tem suas necessidades básicas, que precisam ser atendidas.
Durante a minha trajetória profissional (já passamos dos 10 anos. Mas quem está contando?! rs), tive muitos casos difíceis para trabalhar. Animais com problemas sérios de comportamento. Mas sempre há como melhorar aquela situação. Tudo depende da dedicação e paciência do tutor.
O que acontece é que, muitas vezes, as pessoas buscam soluções mágicas, para diminuir seu trabalho, para solucionar uma questão. Claro que existem resultados rápidos, técnicas que facilitam a mudança quase que imediata do comportamento. Mas será que é o melhor para o animal?
Brigar, gritar e colocar o cão de castigo só piora o comportamento
Será que nossa dedicação ao pet é o suficiente para que ele tenha uma vida plena, de acordo com as necessidades de sua espécie? Ou será que eu o trato como um ser humano peludo?
O primeiro passo para compreender sua real dedicação é se questionar:
- eu me atualizo sobre formas de educar o meu pet ou sigo estratégias de 10, 20 anos atrás?
- eu ofereço atividades de cachorro, como passeio e desafios, diariamente ou só quando eu tenho tempo e vontade?
- eu programo a semana do meu cachorro, incluindo brinquedos, alimentação, atividades, mordedores, aprendizado e socialização ou apenas deixo as coisas acontecerem e vejo o que dá para fazer?
- eu olho para meu pet e vejo suas reais necessidades ou sobreponho as minhas?
Olhar para a nossa relação com nosso pequeno não é algo fácil, nem simples. Muitas vezes, eles espelham dificuldades nossas, que costumamos esconder sob o tapete. Eu costumo brincar que os animais são nosso alter ego, que está sempre apontando o que deve ser trabalhado ou reavaliado.
Não escrevo isso apenas para você, caro leitor. Essa é uma reflexão que eu faço sobre mim mesma e a minha relação com meus animais.
Quantos não são os dias, que, ao chegar esgotada em casa, coloco a alimentação, limpo o tapetinho da Aurora e as caixas de areia dos gatos e falo: “me desculpem, hoje não vou conseguir dar mais atenção a vocês”. Mas é para isso que eu optei por ter animais? Será que eles estão com o bem-estar garantido? Estão vivendo ou sobrevivendo com a minha pequena dedicação?
Olhar para os meus animais é olhar para o meu egoísmo, para minha preguiça, para a minha dificuldade de cuidar do outro, para as desculpas envoltas no excesso de trabalho e rotina corrida. Se eu me dedicasse cinco minutos a mais por dia a eles, poderia mudar muita coisa na vida deles. Talvez na minha também…
Hoje, vou parar meu dia para me dedicar a planejar a rotina deles. Mas só hoje não basta. Assim como escovo os dentes e tomo banho todos os dias, irei dedicar mais minutos para interagir com meus pets de uma forma que eles necessitem. Apenas brincar de bolinha e assistir tv junto não conta, ok?! É preciso compreender o comportamento do animal, de suas necessidades enquanto indivíduo e espécie, para conseguirmos garantir seu bem-estar e maior qualidade de vida. Mais uma vez, é nossa responsabilidade e dever. Afinal, a escolha foi nossa de acolhe-los na nossa casa.
FONTE: Estadão
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