Em setembro deste ano, biólogos e conservacionistas tiveram um fio de esperança ao se depararem com nove ovos de uma espécie de ave raríssima e que há anos luta para não ser extinta da natureza, o pato-mergulhão.
A descoberta ocorreu na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, por membros do(PAN Pato-Mergulhão (Plano Nacional de Ação para a Conservação do Pato-Mergulhão), projeto que reúne pesquisadores, órgãos ambientais e entidades não-governamentais em busca de uma salvação para a espécie.
Originalmente, o pato-mergulhão ocupava margens de rios brasileiros, como o São Francisco. Mas também era encontrado no Centro-Oeste e em algumas áreas do Sudeste e do Sul. Também havia populações na Argentina e no Paraguai, mas hoje é considerado extinto nesses dois países.
Estima-se que, atualmente, existam apenas 250 indivíduos adultos no mundo —todos no Brasil. “Hoje, há informações de populações apenas na Chapada do Veadeiros, no Jalapão e Serra da Canastra”, explica o biólogo Paulo Antas, membro da Funatura (Fundação Pró-Natureza) e integrante do PAN Pato-Mergulhão.
O biólogo faz parte da equipe que encontrou os ovos na Chapada dos Veadeiros, em setembro. “Cada filhote e cada ninho ativo que encontramos são um fio de esperança para salvar a espécie”, diz.
Segundo o ICMBio, o pato-mergulhão encontra-se na categoria “criticamente ameaçada”, e é uma das aves aquáticas mais raras do mundo.
Para sobreviver e se reproduzir, o animal, que se alimenta de peixes de até 12centímetros, necessita de águas limpas e transparentes, principalmente dos rios e córregos cercados por matas ciliares, com cachoeiras e piscinas de diferentes tamanhos e profundidades. Mas esses locais estão cada vez mais escassos.
“Qualquer alteração na qualidade da água, tanto poluição como o fluxo dos rios, afeta a vida do pato-mergulhão de forma significativa. Ele só é capaz de sobreviver quando a água está clara e limpa, sem alterações”, explica Paulo Antas.
É por isso que o pato é considerado um “bioindicador” ambiental: o bem-estar e a reprodução da espécie significam que o habitat e a qualidade água estão em equilíbrio. Quando o ambiente está poluído ou degradado, o pato-mergulhão desaparece. Essa condição de reflexo das condições ambientais deu a ele o apelido de “embaixador das águas brasileiras”.
O declínio da espécie começou em meados dos anos 1970, principalmente por causa da poluição dos rios e bacias hidrográficas, mas também por conta da construção de hidroelétricas
“A questão energética é muito importante para a conservação de espécies, poisela tem impactos ambientais relevantes. Pequenas centrais elétricas, que abastecem núcleos urbanos e que represam rios importantes, mudam dinâmicas da água e afetam espécies importantes”, diz Robson Capretz, coordenador de ciência e conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, entidade que apoia ações de conservação do pato-mergulhão.
Os pesquisadores costumam citar o rio Palmeiras, em Tocantins, como um exemplo do impacto das hidrelétricas para a ave. Décadas atrás havia populações saudáveis do animal nas margens do rio, mas elas desapareceram depois da instalação de 11 pequenas centrais elétricas por ali.
“Do ponto de vista ecológico, mesmo uma pequena hidroelétrica ou represa causa um desequilíbrio no rio e no fluxo da água: pode não haver mais tantos peixes, ou a profundidade necessária para o pato se alimentar e se reproduzir. Outra questão é a degradação do meio ambiente, com poluição e uso de elementos que alteram o equilíbrio físico e químico dos rios”, diz Antas.
Dos nove ovos encontrados em setembro, apenas três “vingaram”, ou seja, só três filhotes conseguiram sobreviver ao primeiro mês de vida. Ainda assim, a descoberta dos ovos aponta que, pelo menos naquela área, o habitat está saudável para a reprodução da espécie.
Já essa alta taxa de mortalidade é considerada normal, pois, quando nascem, os patos são bastante frágeis e altamente dependentes dos pais.
“No primeiro mês de vida, são os pais que alimentam os filhotes. Qualquer desequilíbrio no habitat, ou uma pequena queda, já pode significar um perigo para esse filhote”, explica Paulo Antas.
Criação em cativeiro
O pato-mergulhão não gosta do contato com seres humanos. Por isso, é difícil encontrá-lo nas grandes áreas onde ele ainda está presente no Brasil, como a Chapada dos Veadeiros e o Jalapão, em Tocantins.
Em 2011, estimava-se que havia 250 indivíduos no meio ambiente. Nove anos depois, esse número permanece igual.
“A gente pode encarar essa estimativa de duas maneiras. A positiva é que o número de patos não caiu, ou seja, ele conseguiu se manter estável. A negativa é que ele também não conseguiu encontrar mais áreas limpas para se reproduzir”, diz o biólogo Paulo Antas.
Agora, um dos desafios é tentar mensurar a real presença do pato na natureza e entender melhor seu processo de reprodução. Pesquisadores estão realizando um censo nas áreas com a presença da ave, projeto apoiado pela Fundação Grupo Boticário. A entidade tem uma reserva no Cerrado, a Serra do Tombador, onde já foram vistos alguns patos-mergulhões.
Sabe-se que um casal de patos se forma na juventude e fica junto a vida toda —cada indivíduo vive por cerca de oito anos na natureza. Para se tornar independente, um filhote fica quatro meses sob a dependência dos pais. Depois da separação, o destino de um filhote é incerto até sua idade de reprodução, aos dois anos, quando ele forma outro casal.
“A reprodução do pato-mergulhão é complicada, exige bastante energia da fêmea e muito cuidado com os filhotes. Às vezes, um pequeno degrau na cachoeira, que para a gente é coisa pequena, pode ser fatal para um filhote”, diz Paulo Antas.
Com população reduzida e em risco diante da degradação ambiental, há outra esperança para o pato-mergulhão: a reprodução em cativeiro.
Desde 2011, o ZooParque Itatiba, no interior de São Paulo, é a única instituição do mundo a criar o animal em cativeiro para posterior soltura na natureza. Hoje, o zoológico, que é patrocinado por entidades de conservação estrangeiras, matém 43 indivíduos no local.
“Quando encontramos ovos na natureza, retiramos dois ou três para criá-los no zoológico. Neste ano nasceu a segunda geração de patos, filhos dos primeiros indivíduos que nasceram aqui”, explica Camila Piovani, bióloga responsável pelo ZooParque Itatiba.
Em 2020, novos 15 patos nasceram no zoológico, o maior número desde o início do projeto. Como são ariscos à presença humana, os animais ficam isolados —apenas um cuidador mantém contato com eles.
Piovani espera que em breve os primeiros patos sejam soltos. “É um trabalho demorado. Precisamos ter certeza de que eles estão prontos para a soltura, que vão conseguir sobreviver e se reproduzir, aumentando a população da espécie no meio ambiente. Para isso, precisamos encontrar um local adequado, uma reserva, onde eles fiquem seguros”, diz.
Fonte: UOL
Imagem: Rodrigo Agnelli
Deixar um comentário