Pingo de Compaixão é um porquinho que conseguiu algo inédito: ter sua individualidade reconhecida em cartório. Encontrado na margem de uma estrada em Eldorado do Sul (RS), completamente frágil e abandonado, ele foi resgatado e passou a viver no Santuário Voz Animal. A transformação na vida de Pingo foi imensa e, para comentar todo esse processo, a Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) entrevistou com exclusividade o advogado especialista em direitos animais Rogério Rammê, responsável pela iniciativa de registrar o porquinho em cartório. Confira abaixo.
ANDA: Como começou seu envolvimento com o santuário e com a história do Pingo?
Rogério Rammê: Eu desenvolvo um projeto de extensão universitária chamado DIREITOS ANIMAIS, no IPA, onde sou professor do Curso de Direito. Nesse projeto, desenvolvemos palestras com convidados externos, abertas à comunidade, sobre assuntos ligados à causa animal. Num desses encontros, os responsáveis pelo Santuário Voz Animal foram os palestrantes e desde então passei a apadrinhar um animal do Santuário e a ajudá-los com pequenos conselhos jurídicos quando solicitado. Com a chegada do Pingo ao Santuário, novas necessidades surgiram, mas ao mesmo tempo havia algo simbólico no resgate do Pingo. Me ocorreu então a ideia de registrá-lo como um animal de estimação. Os responsáveis do Santuário gostaram da ideia e fomos em frente com o registro.
ANDA: Como surgiu a ideia de registrar o Pingo em cartório?
Rogério Rammê: Além de professor, eu atuo como advogado na área do Direito Animal e eventualmente realizo registros em cartório de guarda de animais domésticos. Normalmente, esse registro é feito para cães e gatos e nunca havia sido realizado um registro desse tipo para um porquinho no RS. O Pingo foi o primeiro. A ideia de registrar o Pingo teve dois objetivos: o primeiro, de ordem prática, dar visibilidade ao Santuário Voz Animal, por meio do ineditismo da iniciativa. O Santuário precisa muito de ajuda e apoio financeiro para continuar existindo, pois as despesas são elevadas, assim como o número de animais que abrigam; o segundo objetivo foi de ordem simbólica mesmo, ou seja, provocar a reflexão sobre qual a diferença entre um porquinho e um cachorro? Por que um é pet e o outro é animal de produção? Um porquinho pode ser amado e criado como pet? Isso tem um efeito simbólico importante e escancara as contradições do especismo humano.
ANDA: Qual a vantagem para o porquinho de ter sua individualidade reconhecida?
Rogério Rammê: Com o registro, a individualidade de um porquinho fica reconhecida, pois ele passa a ter um nome, passa a ter guardiões responsáveis por seu bem-estar, tem suas características físicas e comportamentais descritas de forma individualizada e, assim, rompe-se o paradigma jurídico de que porcos são coisas, bens de natureza fungível, que podem ser substituídos por outros da mesma espécie na cadeia produtiva em que estão inseridos. O registro dá essa condição de animal de estimação, de companhia, a um animal considerado de produção. E sabemos que há diferenças na forma como interpretamos as leis e o direito para pets e para animais de produção. A maior prova são as próprias propostas legislativas de elevação do estatuto jurídico dos animais, mas que via de regra, asseguram maiores avanços e proteção aos pets do que aos animais considerados de produção, que continuam objetificados e vítimas de intensa exploração. E o registro teve esse efeito simbólico. Muitos passaram a ver o Pingo de Compaixão como um animal-sujeito, que merece respeito e que tem uma dignidade e um individualidade própria.
ANDA: O que significa a mudança de “proprietários” para “guardiões” no que se refere aos tutores do Pingo?
Rogério Rammê: Esse ponto é muito importante, pois insere os guardiões numa relação jurídica não mais de propriedade, mas de guarda, ou seja, de responsabilidade, de afeto, de respeito. A relação não se constrói a partir de um interesse econômico sobre o animal, mas sim a partir do respeito, da empatia, do afeto que os tutores nutrem pelo animal. O Pingo é um exemplo perfeito disso. É muito amado e muito bem tratado pelos seus guardiões, a Fernanda e o Fernando. O Pingo agora integra uma família multiespécie. A carga simbólica disso é transformadora.
ANDA: Você acredita que a história do Pingo pode conscientizar as pessoas e influenciar a luta pelos direitos animais?
Rogério Rammê: Não tenho dúvidas de que é um passo a mais que é dado. Seja pela visibilidade, seja pelo simbolismo, muita gente passou a saber que é possível ter uma relação empática e de maior respeito com animais considerados de produção. Ao fim e ao cabo, queremos o fim da exploração animal e uma forma de despertar as pessoas para essa triste realidade pode ser feita através de pequenos exemplos simbólicos como caso do Pingo de Compaixão.
ANDA: Como foi para você fazer parte desta história e garantir esta vitória para o Pingo?
Rogério Rammê: Eu tenho muito orgulho de ter incentivado os tutores do Pingo a levar a efeito esse registro e de ter de algum modo ajudado a dar mais visibilidade ao Santuário Voz Animal e provocar essa discussão necessária sobre o especismo humano na relação com os animais. Como professor que criou a primeira disciplina de Direitos Animais em uma faculdade de Direito em Porto Alegre, casos como o do Pingo são importantes, pois vão incutindo no nosso cenário cultural uma ruptura com o especismo, com a ideia de animal coisa e gerando muita reflexão.
ANDA: O Pingo provavelmente veio de algum local que o explorava para consumo humano e foi encontrado às margens de uma estrada. Ele, portanto, já deve ter conhecido o pior do ser humano e sofrido bastante. Que mudanças ocorreram na vida dele após a mudança para o santuário?
Rogério Rammê: Acredito que o amor e o carinho que o Pingo tem recebido já provocaram sim muitas mudanças no comportamento do Pingo. Porcos não são diferentes dos cachorros e gatos. São tão inteligentes, sensíveis e simpáticos. O Pingo sabe que agora vive em um ambiente onde recebe carinho, atenção e respeito. Segundo relatos dos tutores, nos três primeiros meses ele precisou de fisioterapia, e foi abrigado por voluntários do Santuário em quatro casas de passagem. Superada esta fase, foram criadas facilidades para sua locomoção no Santuário, em um espaço próprio e adaptado. Hoje o Pingo está adaptado e sem lesões, embora mereça atenção e cuidados permanentes de seus tutores no Santuário. Mas o sofrimento do Pingo chegou ao fim, agora ele nos está a ensinar.
Fonte: ANDA
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