Fernanda Pinheiro Lima
Fernanda Pinheiro Lima
Médica Veterinária pela Universidade Federal de Lavras (2004), mestrado em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal de Lavras (2006). Atua na área de Medicina Veterinária do Coletivo: atuou como Coordenadora do Departamento de Vigilância Sanitária no período de 2005 a 2011. Atualmente é Responsável Técnica e coordenadora do Centro de Defesa à Vida Animal (CODEVIDA), órgão ligado à Secretaria Municipal de Gestão Ambiental da Prefeitura Municipal de Formiga; docente do Centro Universitário de Formiga na qual ministra as disciplinas de Bem-estar animal e membro do Comitê de Ética no Uso de Animal do UNIFOR-MG;

O crescente número de cães e gatos abandonados é uma importante preocupação para as autoridades de Saúde pública e bem-estar animal em âmbito mundial em virtude, dentre outros, da eventualidade de transmissão de algumas zoonoses, acidentes com motociclistas, incidentes por mordeduras e transtornos à ordem urbanística como ruídos e extravasamento de lixos em vias públicas.

Cães de rua podem ter uma série de problemas que afetam o seu bem-estar, incluindo: fome, desnutrição, doenças, ferimentos devido a acidentes de trânsito, ferimentos por brigas e maus tratos, contrariando as cinco liberdades do animal (sanitária, nutricional, psicológica, ambiental e comportamental).

Em virtude disso, em Formiga – MG foi criado um órgão municipal ligado à Secretaria Municipal de Gestão Ambiental, denominado Centro de Defesa à Vida Animal (CODEVIDA), cabendo-lhe, dentre outras atribuições, desenvolver campanhas e programas de informação e orientações técnicas e conscientização da população sobre guarda responsável de animais.

A criação do órgão municipal se deu após a formalização de um termo de ajustamento de conduta entre a Administração Municipal e o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Formiga – MG, no qual a Prefeitura Municipal se comprometeu a implantar uma política de proteção e controle populacional de animais.

O CODEVIDA é regulamentado pela Lei Municipal nº 4595 de 10 de fevereiro de 2012 possui os seguintes objetivos: preservar a saúde da população, mediante o emprego dos conhecimentos especializados em Medicina Veterinária do Coletivo, fiscalizar ações e/ou atos de maus tratos contra animais com o apoio da Polícia Militar de Meio Ambiente e, sobretudo prevenir, reduzir e eliminar as causas de sofrimento dos animais.

Os trabalhos desenvolvidos no CODEVIDA são bastante diversificados e incluem doação de animais por meio de termo de adoção responsável, notificações de animais soltos em vias públicas, atendimento de denúncias de maus tratos, realização de exames de leishmaniose visceral canina, recolhimento seletivo de animais doentes para cuidados necessários e prestação de serviços de esterilização cirúrgica de cães e gatos, machos e fêmeas, com técnicas minimamente invasivas.

Para melhor desenvolvimento desta política pública de Manejo de Fauna Doméstica, a Administração Pública Municipal firmou parcerias com outros órgãos públicos, com entidades e associações da sociedade civil, formando redes de cooperação, no controle e proteção dos animais que vivem soltos nas ruas e praças do município.

Nesse contexto, a Administração Pública Municipal, por meio do CODEVIDA, conta com a parceria da Associação Protetora dos Animais de Formiga – APAF, Associação Regional de Proteção Ambiental II – ARPA II, Centro Universitário de Formiga – UNIFOR-MG, Ministério Público de Minas Gerais e Polícia Militar de Meio Ambiente.

Os Cães e gatos encontrados soltos em vias públicas que apresentam algum comprometimento de seu estado de saúde são apreendidos pela equipe do CODEVIDA. Estes animais passarão por uma avaliação clínica por Médico Veterinário serão encaminhados para tratamento na própria sede do órgão quando tratar-se de procedimentos de baixa complexidade, ou na clínica veterinária do UNIFORMG ou em clínicas veterinárias indicadas pela APAF. No ato da entrada, o animal passa ainda por exame de Leishmaniose com o teste de triagem com o kit diagnóstico DPP, fornecido pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. Caso reagente, será encaminhado soro, como espécime clínico, para a Fundação Ezequiel Dias (FUNED) para confirmação, conforme protocolo oficial do Ministério da Saúde.

Os animais apreendidos poderão ter a seguinte destinação: serem soltos no seu local de recolhimento, após recuperação clínica; ser adotado, mediante termo de responsabilidade devidamente assinado; morrerem durante tratamento; serem eutanasiados por apresentarem resultado reagente para Leishmaniose Visceral Canina em exame comprovado pela FUNED ou quando não houver resposta ao tratamento indicado e/ou quando o seu bem-estar estiver comprometido de forma irreversível, sendo um meio de eliminar a dor ou o sofrimento do animal.

Outra ação promovida pelo CODEVIDA é o controle de reprodutivo, que é uma das formas de evitar que animais procriem de forma descontrolada e que (principalmente filhotes) sejam abandonados diariamente nas ruas. Em sete anos, foram esterilizados 2434 animais conforme especificado na tabela 1 a seguir.

Tabela 1. Número de animais (Canis familiaris e Felis catus) esterilizados por espécie, sexo no período de 2012 a 2018.

De 2012 a 2018 foram resgatados 1468 animais, entre cães e gatos, em situação de rua com algum problema de saúde. Destes, 272 animais foram adotados (18,5%), 357 foram soltos em seu local de captura (24,3%); 211 vieram à óbito durante tratamento; foram realizadas 490 eutanásias (33,4%) e 138 animais tiveram a seguinte destinação: foram resgatados pelos tutores, fugiram, nas fichas não constam informação e alguns residem no CODEVIDA por apresentarem sequelas decorrentes do tratamento. O gráfico 1 apresenta o destino dos animais recolhidos na ruas de Formiga – MG de 2012 à 2018.

Gráfico 1. Distribuição dos cães recolhidos pelo CODEVIA, de acordo com o destino, em Formiga – MG no período de 2012 à 2018.

Vale destacar que atualmente residem seis cães no CODEVIDA que não são aptos a viverem novamente nas vias públicas em decorrência de sequelas de tratamento. No local há uma cadela cega, dois que sofreram amputação de um de seus membros, dois que sofrerem de claudicação severa e outra que além da claudicação severa apresenta transtornos mentais. A seguir fotos destes animais que vivem soltos no entorno do prédio.

Foto 1. Esta é JUDITE, descansando na recepção do CODEVIDA. Ela foi resgatada em 27/08/2013. Ela fora atropelada, ficou três meses com paralisia dos membros posteriores e voltou a andar, com o jeito que só ela sabe: rebolando. Hoje ela tem 5 anos e meio de CODEVIDA, mais na verdade ela já deve ter por volta dos seus 10 aninhos. Ela é cardiopata, toma remédio diariamente para controlar suas arritmiais cardíacas e já se encontra sem dentes. JUJU, como nós costumamos chama-la é sem dúvidas nossa mascote, por ser a mais idosa.

Foto 2. CAÇAMBA, amiga fiel de Judite deu entrada no CODEVIDA em 22/08/2013 e deve ter por volta de seis anos de idade. As duas são inseparáveis. Caçamba com suas três patinhas vive escavando buracos no talude que há no entorno do prédio.

Foto 3. MOCINHA, também passou por uma amputação de membro anterior esquerdo. Uma verdadeira guerreira, chegou em agosto de 2018, muito magra e com fratura exposta. Hoje ela se esbalda com ração, água e um ambiente livre para expressar seu comportamento natural.

Foto 4. UPA: deficiente visual, chegou em maio de 2018, e está próximo de fazer data de aniversário aqui. No início, sua adaptação ao ambiente livre foi um pouco difícil para ela, que adora ir nos recepcionar no carro, ela sempre batia a cabeça na porta. Hoje ela anda aqui, como se enxergasse normalmente.


Fotos 5 e 6. Esta é NINA. A superação dela foi extrema: primeiro uma protetora cuidou do quadro de cinomose que ela teve. Ela veio para o CODEVIDA devido ao quadro de paralisia nos membros posteriores (foto 5) como sequela desta virose e com um quadro recorrente de infecção urinária, por ficar sentada o tempo todo. Para fazer as necessidades fisiológicas, tínhamos que levantá-la. Fizemos uma cadeirinha de rodas, mas a forma ficou grande, mas todos os dias a estimulávamos a ficar de pé. Hoje ela voltou a andar com um jeito peculiar e percebemos que ela é nossa doidinha: vive atrás do pedreiro Jorge que está construindo um solário para melhoria das condições de bem-estar dos animais. Ela fica tentando comer poeira das pás de areia e cimento e mastiga pedras. Jorge costuma carregá-la no seu carrinho de mão e os dois é uma cumplicidade só. Passa o dia todo juntos.


Foto 7. Esta é a porta de entrada da área administrativa do CODEVIDA. Onde nossos amiguinhos especiais e com necessidades mais especiais ainda passam seus dias.

O controle de animais de estimação depende da atuação direta de órgãos governamentais, instituições públicas, entidades de proteção animal e, sobretudo dos tutores, pois quando estes assumem todos os deveres centrados nas necessidades físicas, psicológicas e ambientais de seu animal, não ocorre o abandono.

Nestes sete anos, foi possível observar ainda que muitas pessoas que procuram o serviço do CODEVIDA não tem nenhum conhecimento sobre guarda responsável de animais. Estes usuários ficam extremamente irritados quando informamos que não podemos acolher o animal de estimação indesejado, e que ele é o único responsável e é quem tem que dar um destino para o mesmo, seja por meio de doação, caso de animal saudável ou que o encaminhe o para tratamento ou eutanásia, caso a situação exigir.

As pessoas querem transferir a sua responsabilidade de guardião para o poder público e é isto que desencadeia os agravos ocasionados pelos animais de rua. A falta de planejamento orientada sob os princípios da guarda responsável acarreta vários fatores, dentre eles a compra impulsiva de animais, estimulada por comerciantes que os expõe como mercadorias, essa relação de consumo, muitas vezes, não desperta o vínculo afetivo, fazendo com que as pessoas acabem descartando seus animais de estimação, por se tornarem desinteressantes após a empolgação inicial.

É certo que o bom êxito dessa política de controle populacional da fauna doméstica deve-se ao trabalho em parceira de órgãos públicos, sociedade civil organizada e terceiro setor. Realizamos as atividades de controle populacional da fauna doméstica no município de Formiga – MG, mas sabemos que muito há o que se fazer para conseguirmos nossos objetivos de promover o controle populacional canino por meio de medidas que visam o respeito e que zelem pelo bem-estar animal.